quinta-feira, 3 de maio de 2012

Breve História dos Judeus em Portugal. Jorge Martins. «Recuemos à Espanha de 1492. Perante o Édito de Expulsão dos Reis Católicos, proclamado em 31 de Março desse ano, os judeus enviaram mensageiros a João II para negociarem a sua entrada no "El Dorado" português. O rei acedeu, a pensar nos elevados cabedais que as ambicionadas viagens marítimas exigiriam»



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«Apesar do drama que constituiu para os "baptizados em pé", ainda não soara o momento da extirpação dos judeus da vida comunitária portuguesa. Manuel I, na sua política de equilíbrio de interesses complexos (e contraditórios), decretou, logo em 30 de Maio de 1497, a interdição das inquirições à fé dos cristãos-novos durante um período de vinte anos, numa atitude que revela a aceitação tácita, política essa, bastamente praticada nesta matéria pelos monarcas anteriores, de uma realidade insofismável. Na verdade, o rei sabia que os judeus não deixariam de o ser de um dia para o outro e, ao proibir as inquirições, estava a abrir a porta ao criptojudaísmo consentido.
Só a pressão das ordens religiosas, sobretudo os dominicanos, levaria mais longe o antijudaísmo. Foi assim que eclodiu, em Abril de 1506, o pior massacre de judeus portugueses, onde pereceram milhares de cristãos-novos. Este cruel episódio veio alterar a situação. No dia 1 de Março do ano seguinte, Manuel I decretou a igualdade entre cristãos-novos e cristãos-velhos, que só viria a ser posta em prática em 1773 por Pombal, em 21 de Março de 1512 prorrogou o decreto de proibição das inquirições judaicas por mais 16 anos e, em 1515, cedendo as intensas pressões do dominicano Fr. João Furtado, o rei solicitou ao papa a introdução da Inquisição (maldita), mas acabou por deixar cair o pedido no esquecimento. Quanto à evolução da situação dos judeus portugueses, mesmo após o Decreto de Expulsão e o baptismo forçado, a questão judaica permanece no limbo da indecisão. Assim se preservaria o culto judaico secreto dos cristãos-novos portugueses até meados de quinhentos, ao contrário da Espanha desde os massacres de 1391, à excepção do similar fenómeno "chueta" das ilhas Baleares. Isso explica, em grande medida, a sobrevivência do criptojudaísmo em Portugal até ao século XX.
Recuemos à Espanha de 1492. Perante o Édito de Expulsão dos Reis Católicos, proclamado em 31 de Março desse ano, os judeus enviaram mensageiros a João II para negociarem a sua entrada no "El Dorado" português. O rei acedeu, a pensar nos elevados cabedais que as ambicionadas viagens marítimas exigiriam. Reuniu o seu conselho em Sintra para discutir o seu projecto e, embora não contasse com o apoio da maioria dos seus conselheiros, decidiu-se pelo negócio, mediante as seguintes condições: 
  • os judeus só entrariam por Olivença, Arronches, Castelo-Rodrigo, Bragança e Melgaço; deveriam pagar oito cruzados por cabeça na fronteira, pelo que receberiam um salvo-conduto; só deveriam permanecer no país pelo prazo de oito meses, findo o qual seriam feitos escravos se não saíssem; 
  • o rei comprometia-se a fornecer-lhes navios para os levar para fora do reino. 
Entre as dezenas de milhares de judeus espanhóis imigrados, viriam figuras notáveis, como o sábio Yshac Aboab, que foi viver para o Porto com a sua família. A salvação dos judeus espanhóis constituiu um rentável negócio régio, que até o povo aproveitou. Foi um elevadíssimo preço que pagaram, mas não tinham outra alternativa: dum lado a morte, do outro a escravidão.
Esgotado o prazo de oito meses de autorização de permanência dos judeus espanhóis em Portugal, concedido por João II, este não lhes disponibilizou navios para locais que os próprios interessados escolhessem, mas apenas para Tânger e Arzila, onde a soldadesca e os mouros os maltratavam e roubavam. Muitos acabariam por preferir regressar a Portugal e sujeitar-se à escravidão.
A situação agravar-se-ia com o célebre episódio de S. Tomé. Em 1493, inauditamente, João II tomou a decisão de mandar tirar os filhos menores aos judeus e entregá-los a Álvaro de Caminha, capitão da capitania da ilha de S. Tomé. De muito adverso clima, cheia de perigos, dos quais se destacavam os abundantes crocodilos, a maior parte das crianças seria dizimada:
  • "Finalmente chegados aqueles inocentes ao lugar deserto de S. Tomé que sua sepultura havia de ser atiraram-nos em terra, e ali despiedosamente deixando-os foram dos grandes lagartos de que a ilha era povoada tragados quase todos e o resto que no ventre daquelas bichas não entrou, a fome e desamparo se consumiram, somente algum que milagrosamente daquela temerosa fortuna foi escapado”
In Breve História dos Judeus em Portugal, Jorge Martins, Nova Vega, colecção Sefarad, 2011, ISBN 978-972-699-920-1.

continua
Cortesia de Nova Veja/JDACT