«Mais do que mero sentimento, Dalila Pereira da Costa, à imagem de
Teixeira
de Pascoaes, transforma a saudade
num operador conceptual sintetizador e orientador do todo da história de
Portugal, elevando-a igualmente a conceito regenerador e realizador da história
da civilização ocidental, anunciando, através dela, a saudade, a fusão, ou
refusão entre Oriente e Ocidente numa sabedoria intuitiva única de carácter
espiritual. Transcurso no tempo, pela saudade,
em certos momentos-limite, o homem eleva-se à eternidade, regressando,
concentrado o tempo, a momentos paradisíacos onde constata que tudo obedece à
manifestação universal da saudade:
- A saudade é força de conversão, como movimento oposto ou complementar ao da progressão, saída do incriado, do não-manifestado, ao criado e manifestado. Por isso ela será sempre como reapossessão do ser e conhecer na sua forma paradisíaca, a força da intuição e da razão.
Nessa forma primitiva e adâmica, a que então poderemos chamar de ultra-razão. Como possessão e uso
pelo homem dum plano do seu ser que o punha em contacto, o identificava, como
um plano superior, supra-humano, a que agora só poderemos, ou saberemos chamar,
de supramental. Concedendo-lhe a sua ligação com o Uno. Assim como a poesia lírica e a ciência náutica da
cultura tradicional portuguesa, como expressão do seu dinamismo, do poder do
seu ser se ultrapassar a si próprio nas suas forças e limites humanos, a saudade apontará como elas, para uma
possibilidade de cosmissização do homem. A aventura sendo sempre o modo como
esse seu dinamismo se revelará. Porque, quer a aventura seja de carácter
interior, como na poesia e na saudade, ou de carácter exterior, como nos Descobrimentos,
ela será sempre esse mesmo movimento revelado, de ultrapassamento incessante
dum ser na sua natureza própria.
Em Da Serpente à Imaculada,
Dalila Pereira da Costa postula que, por via da saudade, a missão
portuguesa de construir uma sabedoria total, regeneradora de diversas
sabedorias parcelares da humanidade, assentaria numa sabedoria secreta tendo a
mais remota
origem na sabedoria do Atlântico em torno do culto da Mãe
primordial, da Grande Deusa ou da Deusa-Mãe. Com este
acrescento teórico relativo às origens mais remotas da saudade, pode confiar-se que toda a filosofia da história mítica
portuguesa de Dalila Pereira da Costa se encontra já condensada no seu artigo
referido sobre a saudade da antologia de 1976.
Numa continuidade de coerência, os seus restantes livros sobre este tema e
sobre os místicos portugueses constituem-se como desdobramentos deste seu
primeiro artigo sobre a saudade, do
mesmo modo que toda a filosofia, toda a política social e toda a
poesia de Teixeira de Pascoaes podem ser lidas como um desdobramento da sua
teoria da saudade.
Logo no ano seguinte à publicação do texto sobre a saudade, Dalila Pereira da Costa estende a
sua reflexão sobre os primórdios do pensamento português ao círculo do Atlântico, juntando-o
à tradição mediterrânica que ensaiara naquele artigo:
- Então também se desvendará o sentido do enlace dos homens e do mar, para a descoberta da verdade, realizada, primeiro no Mediterrâneo pelos cretenses e pelos venezianos, e depois no Atlântico pelos povos ibéricos. E com outros olhos agora veremos, evocaremos, o dia consagrado no ano em que Minos se unia, em hierogamia, com a Deusa do mar, ou sua sacerdotisa, e depois, em que o doge saía do mar e nele lançava o anel de núpcias, da cidade com o Mediterrâneo;
- e a outra luz, de festa sagrada, nos surgirão todas essas suas naves com flâmulas e grinaldas ao alto avançando em cortejo sobre essas águas dum mar unido aos homens. Seguinte enlace se realizaria séculos depois no Atlântico, com as caravelas saindo do Tejo e levando os navegantes portugueses: para outras núpcias com outro mar.
A Nova Atlântida
estatui-se assim como o primeiro livro em que Dalila Pereira da Costa
configura os momentos-limite principais da totalidade da sua interpretação
sobre a história mítica de Portugal, e mítica não no sentido semântico habitual
de fantástica ou maravilhosa, mas mítica no
sentido de mais verdadeira ou de verdadeiramente verdadeira. Mais do que a
razão, é a ultra-razão,
síntese superior fundida de sensibilidade e razão, ambas transfiguradas numa
intuição espiritual por via de um processo mental alquímico, com o evidencia a
interpretação de António Quadros, que se eleva vivencialmente,
experimentalmente, comungando da essência dos seres, combinando numa unidade
mente e verdade, conhecimento e ser». In
Dalila Pereira da Costa, A
História Mítica da Cultura Portuguesa, Wikipedia.
continua
Cortesia de Wikipedia/JDACT