Introdução. Um casal de Reis. Isabel de Castela e Fernando de Aragão
«É tempo de falar de duas irmãs, Isabel e Maria, filhas dos Reis
Católicos, Fernando de Aragão e Isabel de Castela (o título de Reis Católicos
foi concedido pelo papa Alexandre VI a Fernando e Isabel apenas em 1496. Por comodidade, chamá-los-emos
assim doravante. Ou ainda reis de
Castela, como são designados pelas fontes portuguesas), que a História
guardou para a posteridade como tendo sido os pais da Espanha moderna, os
obreiros da unificação de vários reinos peninsulares. Duas meninas, em cinco
irmãos, dos quais apenas um era rapaz, o príncipe Juan. As outras duas irmãs,
Joana e Catarina, também rainhas: uma rainha proprietária, de Espanha e a outra rainha de Inglaterra (rainha proprietária era o título
dado a uma rainha sobre quem recaía a sucessão ao trono, distinguindo-a assim
de uma mera consorte. Joana foi rainha de Castela, embora nunca tenha reinado).
Isabel foi a primeira filha de seus pais, nascida na vila de Dueñas,
nas cercanias de Valhadolid, nos primeiros dias de Outubro de 1470. Isabel de Castela, sua mãe, a
quem doravante chamaremos sempre Isabel, a Católica,
ou Isabel I, para a distinguir da filha do mesmo nome, viveria depois largos
tempos sem dar à luz. O nascimento do seu segundo filho, Juan, talvez o mais
querido, por ser varão, e nele se
depositar a esperança da sucessão do trono espanhol, ocorreu cerca de oito anos
depois. Depois vieram Joana, que casou com o duque de Borgonha e viria a ficar
louca, Maria, doze anos mais nova do que Isabel, e finalmente Catarina. Todas
estas crianças são, umas mais outras menos, conhecidas dos historiadores; esta
pequena biografia dupla tentará dar alguma conta de todas elas, pelo menos no
que diz respeito à sua infância conjunta.
Mas debruçar-se-á sobretudo sobre Isabel e Maria porque ambas se
casaram com o rei Manuel I, e foram rainhas de Portugal. Isabel fora dada
anteriormente em casamento ao príncipe herdeiro Afonso, único filho de João II
e D. Leonor, tendo enviuvado em consequência do desastre que o vitimou, pelo
que ostentou dois títulos da Coroa portuguesa: primeiro princesa de Portugal e
depois sua rainha, no seguimento do seu matrimónio com Manuel I. O critério
seguido para esta biografia é a intersecção destas duas figuras com a história
de Portugal. Isabel foi rainha durante escassos meses, mas, teve algum impacte
na evolução dos acontecimentos políticos. Maria, pelo contrário, exerceu o
papel de rainha consorte ao longo de pouco mais de dezasseis anos, e a sua
importância é mais biológica (teve muitos filhos) do que política ou qualquer
outra.
Adverte-se de que não está perante uma investigação baseada em longas
temporadas de arquivo, e consequente leitura de manuscritos inéditos, embora
eles não estejam ausentes. Na impossibilidade de viajar pelos arquivos de
Castela e Aragão de forma sistemática, concentrar-me-ei neste trabalho nas
fontes impressas disponíveis e na numerosa bibliografia, sobretudo recente, que
os historiadores espanhóis (e de outras historiografias) têm publicado ao longo
da última década. Autores que a historiografia portuguesa não tem, salvo raras
excepções, nem explorado sistematicamente nem confrontado com as informações
fornecidas pelos nossos cronistas.
Não se esqueça que os Reis Católicos representavam dois reinos, ambos
com os seus cronistas próprios. E que, já, na época, apesar do tom laudatório
que sempre acompanha as crónicas, os seus feitos foram bastante gabados. Não a
unificação do país, efectuada através do seu casamento, facto reversível se as
circunstâncias históricas tivessem sido outras, mas sim a expertise política dos dois membros do casal, a conquista de
Granada, uma guerra santa, e a descoberta das Américas por Colombo. Outra razão
havia para os Reis Católicos investirem nas crónicas do seu reinado: o facto de
Isabel ter chegado ao trono contendendo os direitos de uma rival, Joana de
Trastâmara, tornou necessário legitimar a sua actuação política». In Isabel
Guimarães Sá, Rainhas Consortes de D. Manuel I, Isabel de Castela, Maria de
Castela e Leonor de Áustria, C. de Leitores, 2012, ISBN 978-972-42-4710-6.
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