Elementos
para a História Diplomática Portuguesa
«(…)
Assim acontece com os países analisados. A Espanha de Godoy estremeceu com a
execução do Bourbon. A proximidade do parentesco entre as duas casas reinantes
explica, para além do mais, a repulsa que a decisão da República provocara. A
Inglaterra, por seu turno, a despeito das suas tendências conciliatórias, manifestou-se
visivelmente impressionada e sobremaneira inquieta com a crescente agressividade
da França. Esta razão, acima de qualquer outra, decidirá o pacifista Pitt a
lançar-se na guerra. De Lisboa, mesmo na iminência de uma ruptura
franco-britânica, aconselha-se João de Melo Castro, nosso embaixador em
Londres, a ganhar todo o tempo que nos
for possível, e a não nos comprometermos enquanto não formos formalmente e directamente requeridos. A fraqueza de um
pequeno país impunha toda a cautela como garantia da sua própria sobrevivência.
A espera não foi longa e nem permitiu ganhar tempo. Espanha e Inglaterra aproximavam-se
com rapidez e, apesar das divergências no ultramar, julgavam poder associar-se
para breve acção comum. Duas razões principais estimularam a aliança entre os
dois países e a quebra das respectivas neutralidades. Na origem foram
aparentemente semelhantes: o trágico fim da monarquia francesa; na essência
tinham, contudo, uma ordem de valores bem diversa. Madrid acusava uma reacção
lógica à sorte de Luís XVI. Londres preocupava-se com o expansionismo francês e
temia o proselitismo manifestado pela República. De sorte que, alimentados por
uma ocasional convergência de objectivos, puderam esquecer, momentaneamente,
antigas rivalidades ainda há pouco avivadas pela questão de Nootka-Sound (em
Abril de 1789, na costa da Califórnia, junto ao porto de São
Lourenço, foi apresada pelos espanhóis uma frota inglesa que transportava colonos
para se estabelecerem em Nootka Sound; o caso deu origem a grave diferendo
entre as duas cortes, para cuja solução foi chamada a intervir a coroa
portuguesa).
Era,
pois, nesta contextura que se teria de definir a posição portuguesa. Como já
dissemos, haviam-se malogrado as tentativas feitas por Sousa Coutinho
para uma tríplice aliança, Das muitas causas do insucesso, temos, sobretudo, o
fraco poder militar que oferecíamos em troca de um compromisso com demasiadas
obrigações. Pela nossa parte, é bem compreensível a insistência do Secretário
de Estado. Aliados os dois grandes rivais contra a França, nada tínhamos a
perder, mas tudo a ganhar. A participação trazia-nos a segurança de uma força
superior e os benefícios de uma vitória conjunta. Na mesma base preservávamos a
integridade territorial das tradicionais cobiças de ingleses e espanhóis, neutralizando,
simultaneamente, o Pacto de Família ainda em vigor. Agora, porém, os
termos eram outros e as situações bem diversas. A época dos neutros terminara e
em seu lugar abria-se o espaço para o conflito declarado. Em face da
hostilidade crescente que nascia à sua volta, a Convenção decidiu defender-se atacando.
No dia 1 de Fevereiro de 1793 rompe
com a Inglaterra e a Holanda e a 7 de Março toma idêntica atitude relativamente
à Espanha. Para a diplomacia portuguesa encetava-se uma nova fase, onde só a
prudência e a habilidade podiam intervir. Em rigor não estávamos envolvidos na
guerra, mas apenas ligados à Grã-Bretanha e à Espanha pelos Tratados
anteriores. Nesses princípios se apoiou Luís Pinto para articular a sua
política, buscando numa participação auxiliar a chave de defesa a um
isolacionismo perigoso e pouco viável pelas constantes pressões de Londres e
Madrid». In Fernando Castro Brandão, A Política Externa Portuguesa e a Aliança
Defensiva de 1799 com a Rússia, Elementos para a História Diplomática
Portuguesa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, INCM, Lisboa, 1974.
Cortesia
da INCM/JDACT