«(…) Reflectindo honestamente
sobre a própria experiência dela, tentando manter a calma interior e, ao mesmo
tempo, reagindo ativamente, como todos nós devemos fazer ao aqui e agora, minha mãe libertou-se
placidamente para sua própria vida e para a vida como um todo. Ao escrever Presente do mar, ela encontrou
uma nova forma de estar no mundo, para ela e para os outros. Fico feliz em
saber que com esta edição do 50º aniversário toda uma nova geração de leitores
poderá acompanhá-la. In Reeve
Lindbergh, 2005.
Apresentação
Comecei a escrever estas páginas
para mim mesma. Queria elaborar meu próprio modo de viver, meu equilíbrio
pessoal na vida, no trabalho e em meus relacionamentos. Como penso melhor com
um lápis na mão, passei a escrever naturalmente. À medida que os pensamentos
ficavam claros no papel, fui percebendo que a minha experiência era muito
diferente da experiência de outras pessoas. (Será que todos temos essa mesma ilusão?) Em alguns aspectos,
sentia-me mais livre do que a maioria das pessoas; em outros, muito menos. Além
disso, eu pensava, nem todas as mulheres estão buscando um novo estilo de vida
ou um canto contemplativo só para elas. Muitas estão satisfeitas com a vida que
têm. À primeira vista, parecem lidar com tudo muito bem, muito melhor do que
eu. Com inveja e admiração, eu observava a perfeição de porcelana com que
transcorriam seus dias calmos e bem planeados. Talvez não tivessem problemas,
ou já tivessem, há muito, encontrado as soluções. Então decidi que esses
debates só teriam valor e interesse para mim.
Mas, à medida que escrevia,
conversava com outras mulheres, mais novas e mais velhas, com vidas e
experiências diferentes, algumas independentes economicamente, outras buscando
uma profissão, umas trabalhando com afinco como mães e donas de casa e ainda
outras que se sentiam à vontade com seu estilo de vida. Foi então que concluí
que essas preocupações não eram só minhas. Descobri que muitos homens e
mulheres, em diversas situações e de formas diferentes, estavam envolvidos com
as mesmas questões que eu, ansiosos para discutir e elaborar possíveis
respostas. Até mesmo aqueles cujas vidas pareciam transcorrer imperturbáveis,
sob rostos sorridentes, estavam também tentando, como eu, adoptar um novo ritmo
de vida, um ritmo entremeado de momentos mais criativos, mais ajustado às suas
necessidades individuais, com relacionamentos novos e mais intensos com eles
mesmos e com os outros. E assim, pouco a pouco, estes capítulos tornaram-se muito
mais que minha história pessoal, inspirados que foram em diálogos, discussões e
revelações de homens e mulheres de vários grupos. Decidi então devolvê-los às pessoas
que compartilharam muitos destes pensamentos comigo. E aqui, com sentimentos de
gratidão e companheirismo por aqueles que trabalharam na mesma direcção, devolvo
meu presente do mar.
A Praia
A
praia não é um lugar para se trabalhar, ler, escrever ou pensar. Deveríamos nos
lembrar disso dos anos anteriores. Muito quente, muito húmida, muito amena para
qualquer disciplina intelectual ou altos voos espirituais. Mas nunca aprendemos.
Cheios de esperança, levamos nossa sacola de palha desbotada repleta de livros,
papéis, longas cartas não respondidas, lápis bem apontados, listas e boas
intenções. Os livros permanecem fechados, as pontas dos lápis se quebram e os
blocos continuam com as folhas limpas como um céu claro, sem nuvens. Nenhuma
leitura, nenhum escrito, nenhum pensamento, pelo menos no começo. A princípio,
o corpo cansado toma conta por completo. Como se estivéssemos a bordo de um
navio, caímos numa apatia profunda. Revoltamo-nos contra a nossa própria mente,
contra todas as decisões inadiáveis, voltando aos ritmos primitivos da
beira-mar. As ondas altas na praia, o vento nos pinheiros, o lento bater de
asas das garças do outro lado das dunas, tudo isso abafa o ritmo frenético da
cidade, com seus compromissos de hora marcada e suas obrigações. Ficamos como
que enfeitiçados pelas ondas, pelo vento, pelas garças. Soltamos o corpo, nos
espreguiçamos na areia. É como se nos
tornássemos a própria areia, amortecidos pelo mar. Expostos, abertos, vazios
como a praia, deixamos que as marés apaguem nossas marcas passadas. De
repente, numa manhã qualquer da segunda semana, a mente desperta, renasce para
a vida outra vez. Não no sentido urbano,
mas no sentido marinho. Ela começa
então a flutuar, a se mexer, a fazer movimentos suaves e negligentes como as
ondas preguiçosas que se quebram na praia. Nunca se sabe que possíveis tesouros
essas ondas inconscientes vão lançar à areia branca e suave do consciente.
Talvez uma pedra redonda de formato perfeito ou uma concha rara do fundo do
mar; talvez uma concha-pera, uma concha-lua ou até mesmo um argonauta. Mas
esses tesouros não devem ser procurados, muito menos desenterrados. Nada de
escavar o fundo do mar. Isso frustraria nosso objectivo. O mar não recompensa
os que são por demais ansiosos, ávidos ou impacientes. Escavar tesouros mostra
não só impaciência e avidez, mas também falta de fé. Paciência, paciência e paciência
é o que nos ensina o mar. Paciência e fé. Precisamos nos
deitar vazios, abertos e sem exigências, como a praia, esperando por um presente do mar». In
Anne Morrow Lindbergh, Presente do Mar, Introdução à edição do 50º Aniversário,
Reeve Lindbergh, 2005.
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