«A perspectiva focada na liberdade se assemelha genericamente à
preocupação habitual com a qualidade de vida, que, também ela, se centra no
percurso concreto da vida humana (…) e não apenas nos recursos e rendimentos que
uma pessoa controla». In Sen,
1999.
Teorizando as necessidades humanas fundamentais
«O
conceito de necessidade e as suas diversas interpretações, embora fortemente
presentes na teoria social e política, são pouco precisos e conceptualmente,
pouco consensuais. As discussões em torno do conceito de necessidade destacam a
dificuldade em adoptar uma noção ou uma definição ou tipologia comum, bem como
a dificuldade em definir o grau de importância ou a prioridade associados a
cada necessidade. Dos factores que dificultam a criação de uma definição comum
do conceito de necessidade podem-se destacar a discussão em torno da origem biofísica e cultural das necessidades;
os conteúdos materiais ou imateriais que as integram; a possibilidade de
classificação de tipos de necessidades; o debate operado em torno da hipótese
do seu carácter absoluto ou culturalmente relativo; a consideração de dimensões
objectivas e subjectivas; a condição sentida ou socialmente latente; as vias de
operacionalização de modelos dedicados à sua análise, provisão e satisfação.
No sentido de conceptualizar as necessidades humanas, diversas contribuições teóricas
têm vindo a ser formuladas, umas com o objectivo de reunir e listar os ingredientes para a qualidade de vida e,
outras, centrando-se unicamente no conceito de desenvolvimento. Seguindo o
posicionamento teórico positivista, alguns destes teóricos partem do
pressuposto de que existe uma matriz neutra para toda a investigação assumindo
a existência de necessidades universais e
objetivas como requisitos que todos os seres humanos têm em comum, e que conduzem
a níveis inaceitáveis de sofrimento quando não são satisfeitos.
A pertinência na seleção das
teorias dos autores supramencionados centra-se, fundamentalmente, na sua
preocupação com o modo como as pessoas vivem ou na vida que as pessoas podem
ter (fins), em vez dos meios (recursos) para atingir a vida desejável.
A
Teoria das Capacidades de Sen desenvolve um quadro teórico centrado no
desenvolvimento como um processo de expansão das liberdades reais de que os
indivíduos usufruem [mais do que] o
crescimento do produto interno bruto, ou o aumento das receitas pessoais, ou (…)
a industrialização, ou (…) o progresso tecnológico, ou com a modernização
social. A seu turno, a Teoria das Capacidades Humanas de Nussbaum,
em consonância com as ideias de Sen, centra-se num conjunto rico de
metas, morais e humanas, em vez de no aumento do Produto Interno Bruto (PIB),
como objectivo principal do desenvolvimento. Neste sentido, o enquadramento
teórico seleccionado e desenvolvido através destas três teorias permite romper
com as visões dominantes que associam o desenvolvimento quase em exclusivo ao
crescimento económico, e ao mesmo tempo considerar a importância das
caraterísticas dos indivíduos, dos recursos que estes detêm e das suas
circunstâncias externas, o que permite a construção de um enquadramento
teórico, simultaneamente, sensível à perspectiva de género e ao contexto
português.
A Teoria das Capacidades
A Teoria das Capacidades introduz uma
nova dimensão na análise das necessidades, tendo vindo a ser desenvolvida nos
mais diversos contextos das ciências sociais e utilizada em estudos de
desenvolvimento, especificamente de desenvolvimento humano. A Teoria
das Capacidades foi inicialmente desenvolvida por Sen (1990,
1992, 1993, 1999) que centrou a sua abordagem do bem-estar na liberdade
real de cada indivíduo proporcionada por um conjunto de capacidades que permite
realizar funcionamentos, que reflectem o que cada indivíduo valoriza ser ou
fazer. Isto significa que as necessidades vão sendo realizadas conforme os
indivíduos são capazes de orientar, de forma livre e informada, as suas
escolhas. O entendimento deste autor sobre capacidades agrega, portanto, os
recursos dos indivíduos, as características individuais e as circunstâncias
externas. Assim, esta abordagem ultrapassa a perspectiva individual da
satisfação das necessidades problematizando a forma como o contexto económico,
social, histórico, político e cultural proporciona as condições e as
oportunidades necessárias para satisfazer as necessidades de acordo com a
oportunidade de escolha de cada indivíduo, para a satisfação de necessidades de
cada indivíduo. A Teoria das Capacidades, sendo uma teoria de aplicação
interdisciplinar, foi revista, adoptada e adaptada por diversos autores. Serão apresentados
de forma aprofundada os contributos teóricos de Amartya Sem, como pioneiro na
formulação deste quadro teórico, e os desenvolvimentos trazidos pela perspectiva
de Martha Nussbaum». In Margarida Ferreira, Política Social, Pobreza e
Exclusão Social, Projecto Pobreza Absoluta em Portugal, Fundação para a Ciência
e a Tecnologia, Wikipédia, ISCSP, 2013.
Cortesia
de ISCSP/JDACT