Os Arquétipos. A Censura Inquisitorial
«(…)
A terceira destas advertências é uma exortação à abstenção da leitura de livros
em que há desonestidades ou amores
profanos. Em consequência, a primeira edição de Os Lusíadas que, em 1572, fr. Bartolomeu Ferreira deixara que se publicassem, apenas
precavendo os leitores contra os erros teológicos contidos na alegoria dos
deuses pagãos e os perigos de se confundirem os falsos deuses com o verdadeiro,
sai em 1584 muito emendada. Com
efeito, a 2.ª edição de Os
Lusíadas, publicada em 1584
ainda sob a vigilância de fr. Bartolomeu Ferreira, vem à luz emendada e
mutilada não só no que respeita às passagens mitológicas, mas também noutras
passagens, como as das ilhas dos Amores, que são consideradas sensuais e
portanto desonestas. Um novo índice romano apareceu em 1597. Logo a 12 de Dezembro do mesmo ano este índice foi impresso
em Lisboa, precedido duma ordem do inquisidor-geral, o bispo de Elvas, António
Matos Noronha, que lhe dava força de lei em Portugal. Este índice romano dava
instruções divididas em três secções:
- Livros proibidos (6 regras);
- Livros a serem expurgados (5 regras);
- Impressão de livros (7 regras).
Estas regras não eram totalmente
novas para os censores portugueses, que no exercício da sua actividade censória
tinham adquirido uma experiência notável. Mas trazia o benefício aos censores
portugueses de verem sancionadas pelo papa as regras que há muito vinham sendo
aplicadas em Portugal. De 1547 a 1597, Portugal foi o país
católico mais estritamente protegido contra a heresia e a imoralidade literária.
A partir de 1551, Portugal ocupou
uma posição de avant-garde entre os países católicos no respeitante à censura.
Um novo índice português só apareceu em 1624.
É um índice muito pormenorizado e completo, onde se compilam todos os índices
anteriores. Bem pode ser denominado o Livro de Oiro da Censura Portuguesa.
Este índice conservou-se em vigor até ser revogado pelo marquês de Pombal em 1768. Foi organizado pelo jesuíta padre
Baltazar Álvares e está dividido em três partes:
- O índice romano;
- O índice para Portugal (isto é, os livros proibidos para Portugal para além dos indicados no índice romano);
- O índice expurgatório das passagens a riscar nas obras autorizadas condicionalmente.
De acordo com a regra geral do
índice de 1581, o índice de 1624 apresentava uma lista de autos
proibidos ou expurgados. Os nomes dos autores populares teatrais António Ribeiro
Chiado, Afonso Álvares, fr. António Lisboa, Baltazar Dias, Francisco Vaz
Guimarães aparecem pela primeira vez no Index, mas certamente que os seus
autos corriam já expurgados. Também aparecem incluídas, pela primeira vez, as
comédias clássicas de Sá de Miranda e de António Ferreira. A obra
Comédias Famosas, publicada
em 1622 sofre numerosos cortes. Outra
obra significativa da cultura portuguesa que sofreu inúmeras censuras foi o Cancioneiro Geral de Garcia
de Resende. O índice prescreve cortes em nada menos de 70 folios dos 227 da
obra. Em que teria ficado o Cancioneiro se as censuras indicadas
tivessem sido cumpridas em novas
edições?
Não se conhecem outros índices
inquisitoriais portugueses posteriores a este. O critério que presidiu à elaboração
deste índice manteve-se estável, regulamentado em cada caso pela censura prévia
a que tinha de ser submetido cada manuscrito antes de ser impresso. Para as
obras em castelhano os censores portugueses tinham os índices espanhóis de 1640,
1700 e 1745, que se apresentavam cada vez mais vastos. A partir de 1624 e até à instituição da Real
Mesa Censória, a história da Censura em Portugal não está feita.
Mais adiante veremos alguns dos objectos da censura portuguesa na segunda
metade do século XVII, resultantes do estudo de alguns manuscritos que se
encontravam até agora desconhecidos na Torre do Tombo.
A
censura da maior parte do que se tinha escrito nos últimos anos, assim como a
proibição dos autores apologistas do livre exame, teve uma incidência muito especial
no ensino universitário. Os professores da Universidade de Coimbra encontraram-se
dentro dum verdadeiro espartilho intelectual. Assim, os Estatutos da Universidade (Coimbra, 1654), não só declaravam
a matéria e o texto a ler em cada cadeira, mas obrigavam os professores a fazer
repetições anuais e públicas e a submeterem conclusões à argumentação
crítica de três colegas da respectiva Faculdade. O lente, ordenam os Estatutos, disputará e tratará todas as questões
necessárias e nunca lerá na cadeira sentenciário particular. Manuscritos da
Torre do Tombo contêm numerosas censuras a teses universitárias, levadas a cabo
pelos censores fr. Francisco Ribeiro, fr. António Pacheco e António Mártires
que, segundo a fórmula oficial, repugnam
à nossa Santa Fé e bons costumes. Nestas teses, escritas em latim, são
apontados os menores desvios à autoridade consagrada. O mesmo se verifica nas censuras
dos sermões». In Graça Almeida Rodrigues, Breve História da Censura Literária em
Portugal, Instituto de Cultura Portuguesa, Série Literatura, Biblioteca Breve,
Amadora, 1980.
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