sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Um Rei Avesso à Política. Fernando II. Maria Antónia Lopes. «No seu novo país chamar-lhe-ão Fanhoso, embora nas muitas cartas que pude ler de Fernando, este nunca aflore a questão. … casava com uma rainha que era a chefe da família chamaram ‘Zé Nabo’»

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«(…) No final da sua adolescência, com 19 anos, Fernando era um homem alto e magro, de pele e cabelos claros, olhos castanhos e feições marcadas por um nariz proeminente, característica herdada do pai, que nunca teve a beleza dos irmãos. Aparentava ter menos idade, o que a barba incipiente reforçava. O jovem príncipe era também desfavorecido pela voz, profundamente nasalada, defeito tão pronunciado que de imediato chamava a atenção. A rainha dos Franceses, que muito simpatizou com ele, sentiu pena ao ouvir a sua voz e afirma ter sido esse o sentimento geral. Mas não foi o da sua prima Vitória, que também notou de imediato a singularidade da voz: Fernando fala pelo nariz e de uma forma lenta e engraçada, que de início o desfavorece, mas a sensação logo se dissipa. Nós estivemos pouco tempo na carruagem e deixei de notar a peculiaridade da voz e da forma de falar de Fernando. É um óptimo jovem muito amável, inteligente e franco; muito ingénuo no mundo, por o ter frequentado ainda muito pouco, e está muito ansioso por fazer tudo bem. É muito bonito, acho eu, e parece-me que a sua beleza provém da agradável expressão do rosto. É impossível vê-lo ou conhecê-lo e não o amar. No seu novo país chamar-lhe-ão Fanhoso, embora nas muitas cartas que pude ler de Fernando, este nunca aflore a questão. Pelo contrário, vangloriava-se da sua bela voz de barítono, como se envaidecia da sua barba comprida e belo bigode, atitude facilmente explicável por complexos adquiridos.
Quarentão, orgulhava-se também, e de forma desmedida, da sua altura e elegância, própria da raça dos Coburgos, como dizia. Em 1862, meses depois da morte dos filhos Pedro, João e Fernando, em carta ao irmão Augusto, refere-se com desprezo aos anões que o primo Alberto produzira e lamenta que o melhor da sua prole, verdadeira Coburgo, alta e bela, fosse ceifada pela morte, pois Luís era baixo e gorducho, preconceitos partilhados por outros. Quando conheceu Fernando, em 1836, Palmerston considerou que a sua elevada estatura suscitaria o respeito da atarracada população portuguesa. Enganou-se redondamente porque, ao verem-no, os portugueses acharam-no um rapazola, ainda por cima imberbe. Onde estava, diziam, a virilidade necessária a um rei? E ao príncipe de cara lisa que casava com uma rainha que era a chefe da família chamaram cruelmente Zé Nabo. O seu carácter conciliador e completa aversão a façanhas militares reforçarem a imagem. Figura com cabeça de nabo era, em décadas de caricaturas políticas, de imediato identificada. Desde que o conseguiu fazer, o rei usou para sempre uma barba inusitadamente comprida. O príncipe Fernando Augusto era e será sempre muito simpático, conquistando de imediato aqueles a quem queria agradar. Com feitio muito alegre, era na verdade um sedutor. Encantou todos os que foi conhecendo durante a sua longa viagem para Portugal. A rainha Luísa, mulher de Leopoldo e sua tia por afinidade, achou-o pleno de nobreza, coragem, bom senso, naturalidade e boa disposição, embora ainda muito inexperiente do mundo.
Em Paris, a rainha Maria Amélia declara: quanto mais o vejo, mais me agrada. É doce, espiritual e acolhedor, mas não deixa de perceber que se esforça por agradar e ser amável, o que ela vê como mais uma qualidade. Em Londres, a princesa Vitória, sua prima, ficou rendida. Logo no dia seguinte ao da sua chegada, confia ao diário: conversei bastante com Fernando e cada vez gosto mais dele; é tão sensato, tão natural, nada afectado, nada sofisticado, verdadeiramente óptimo. Vitória, que vivia muito isolada e sem companheiros da sua idade, descobriu com os primos vienenses que o convívio podia ser descontração e alegria. Os dois jovens, mas sobretudo Fernando, irão preencher-lhe os dias e o pensamento, o que transborda no seu diário, onde Fernando é alvo de apreciações constantes e entusiastas, bem reveladoras da personalidade inteligente, culta, desenvolta e folgazã do novo príncipe de Portugal. Vitória nem queria pensar que Fernando iria partir em breve e não era só para si que a princesa inglesa registava tais apreciações. Nas cartas a Leopoldo, tio de ambos, lamenta a partida do primo e repete as suas avaliações empolgadas. Não duvida do sucesso de Fernando em Portugal, atendendo ao seu bom coração e à personalidade plena de coragem, espírito e boa vontade, sendo ainda naturalmente inteligente e observador.

Convite para ser rei. A escolha de Fernando Augusto de Coburgo
Vimos como ao longo da infância e adolescência do futuro Fernando II de Portugal a sua família paterna, soberana de um minúsculo ducado germânico, aumentou os domínios, alterou o nome e cresceu em grandeza dinástica, penetrando na corte de Inglaterra, sentando um dos seus no trono de um país novo e criando laços de parentesco com os Orleães. A família ducal chamava a atenção das Casas reais europeias. Contudo, o futuro de Fernando Augusto estava delineado e ninguém projectara para ele um qualquer trono. Riquíssimo, com residência estabelecida na sofisticada cidade de Viena, em cuja alta sociedade poderia pontificar pela sua sólida instrução intelectual e artística e a sua personalidade amável e bem-disposta, teria também de se deslocar com alguma regularidade à Hungria, para supervisionar as imensas propriedades e exercer o seu cargo na Câmara Alta». In Maria Antónia Lopes, D. Fernando II, Um Rei Avesso à Política, Círculo de Leitores, 2013, ISBN 978-972-42-4894-3.

Cortesia de CL/JDACT