Objecto,
metodologia e fontes
«A emergência na sociedade
portuguesa de Oitocentos de movimentos acatólicos, que paulatinamente foram
ganhando uma relativa expressividade no espaço público, despoletou um conjunto
de questões que estavam tacitamente adormecidas, ou que em surdina circulavam
nos meios intelectuais mais esclarecidos. Os protestantes, ou evangélicos, agendaram
uma paleta de temas que revelando actualidade e oportunidade sócio-política,
eram, também, centrais para uma afirmação identitária, como, ainda, cruciais
para a inclusão social destes protagonistas novos na dinâmica de uma sociedade
que procurava mudar a herança de um Antigo Regime retrógrado e censório.
Centrando a discussão, justamente, em torno dos tópicos que consideravam como fundamentais
para que um Portugal moderno pudesse ser erguido, os protestantes foram ousados
na denúncia de um conjunto de constrangimentos sócio-simbólicos que impediam a libertação
do País, arrastando-o para um constante definhar, que acentuava o secular mirramento
de um espaço que tinha sido independente e glorioso. Configura-se, com
particular ênfase, a invenção de um cidadão capaz de responder, implicando-se,
aos desafios que a construção de uma nova sociedade implicava.
A emergência dessa figura cívica
passaria indelevelmente pelo trabalho metódico e difuso de integração de um
conjunto de geradores de estruturas cognitivas que permitissem a reflexividade
definidora de uma alteridade, ou seja, que a consciência da presença de um passado
se pudesse transformar num critério de diferenciação. Escolher, objectivamente,
é a assunção de um momento de intensa visibilidade, traduzida, também, como
modalidade de intervenção, ainda que diversamente matizada, mas, também, a luta
que permita que a autonomia se vá desenhando e em que a tónica no opus operatum emerge com nitidez, apesar
dos paradoxos, das contrariedades e das hesitações que uma trajectória desta
natureza pressupunha. Num outro nível, este processo educativo, encontra expressão
num modus operandi que permitiu criar
estruturas objectivas que correspondessem a tempos, também, de
auto-aprendizagem e de construção criativa de actividades sociais.
Compreender
a lógica de participação dos protestantes portugueses, em particular pela sua
intervenção nos mecanismos e processos educativos, é no essencial o sentido da
nossa sondagem. Entre os finais da década de Sessenta do século XIX e os
primeiros Trinta anos do século nascente, a diversidade de propostas que estes
protagonistas foram lançando corresponde a posicionamentos em contextos
sócio-políticos diferentes e vitais na intensa mudança que percorria um
Portugal que após 1820 pretendia
reerguer-se. Democracia, tolerância e pluralismo são a ancoragem do liberalismo.
Mais do que procurar uma essencialidade nos movimentos protestantes portugueses,
insistimos em indagar o tempo de construção de uma identidade, no seu próprio
interior, que corresponde a um ciclo de inovação fortemente marcado pelo modo
como os protestantes se relacionam com o mundo social, tendo consciência que
apesar dos traços comuns que poderiam fazer convergir agentes situados em pólos
diferentes no campo das reformas sociais, em muitos tópicos os afastamentos são
notórios e flagrantes. Usando uma sugestiva observação de Pierre Bourdieu,
arriscamos afirmar que eram agentes contemporâneos de outros protagonistas mas
em que temporalmente manifestavam discordâncias. Nesta óptica, aproximamo-nos
dos seus discursos com o objectivo de seriar as suas posições e esmiuçando as categorias
de percepção da realidade esquiçamos, o que se poderá designar por estratégia
de legitimação moral. Acompanhamos o empenho de universalização, destacando
duas dimensões. Uma, corresponde a uma afirmação verbal, em que se manifestam
as tensões face às condições políticas que legitimam a intolerância, em todas
as suas possíveis declinações, e que condicionam o pluralismo, essencialmente o
religioso, cuja expressão em todas as esferas sociais tende a configurar
regimes de unanimismo que sustentam a sua reprodução. Com intensidade, por
vezes inusitada, os protestantes pretendem criar uma clara demarcação face a modelos
comuns e banais, prestando uma particular atenção à questão religiosa, mas não olvidando
a questão educativa que é abordada com clareza, denotando-se, em alguns
aspectos, uma pragmática crítica». In José António Martin Moreno Afonso,
Protestantismo e Educação, História de um projecto Pedagógico Alternativo em
Portugal na Transição do século XIX, Universidade do Minho, Tese de
Doutoramento em História, Braga, 2006.
Cortesia
da UMinho/JDACT