jdact
A
Questão Judaica (séculos XV-XX). Os Judeus em Portugal no século XV
A Sociedade Judaica
«(…)
Na generalidade, elas integravam-se, lato
sensu, no estrato popular, embora existissem famílias que viviam e se
comportavam como nobres, usufruindo do estatuto de cortesãos e de vassalos do
rei ou da família real. Integravam-se neste último grupo os arrabis-mores
e suas famílias, de que destacamos os Negro (Ibn Yahia), ou os grandes
mercadores/banqueiros, como os Abravanel ou os Palaçano. Na impossibilidade
de conhecermos a estratigrafia social das comunidades, podemos dividi-la em
função do privilégio pessoal, outorgado pelos monarcas portugueses, extensivo
ou não, aos familiares e que não se compadecia com a queda em pobreza das
famílias judaicas de linhagem antiga, dispersas pelo reino ou pela Península Ibérica,
nem com a relativa secundarização do concelho onde algumas delas habitavam. E
um facto que a proximidade ou o afastamento dos lugares preferidos pela corte
de Quatrocentos era ocasião da maior ou menor incidência da protecção e favores
régios e da nobreza cortesã. E estes manifestavam-se pela concessão dos
privilégios, quer sociais, quer fiscais, quer de ambas as características. Daí
que possamos dividi-los em judeus privilegiados e judeus não privilegiados,
assimilados uns e outros aos poderosos/não poderosos e aos ricos e pobres,
respectivamente. É provável que, apesar de o privilégio ser pessoal e de
concessão régia, ele estivesse ligado ao prestígio de um dado indivíduo e da
sua família, no interior da comunidade em que residia.
Sujeito
à confirmação de rei a rei, pode ver o fim da sua existência com o falecimento
do monarca outorgante ou do beneficiado, ou ainda com a queda em desgraça deste último junto daquele. Na generalidade, os nossos
monarcas foram constantes nas suas preferências, pelo que temos dificuldade em
detectarmos as quebras de protecção a um judeu favorito ou à sua família, como
ocorreu por diversas vezes nos outros reinos Peninsulares, onde alguns judeus
cortesãos chegaram a pagar com a própria vida o desamor régio. Em Portugal, o único caso conhecido respeitou à
família de Isaac Abravanel, amigo dos duques de Bragança e de Viseu, pelo
que foi acusado de conivente nas conjuras destes contra João II, ficando, por isso,
com os bens confiscados, enquanto alguns dos seus membros fugiam para Castela.
Os privilégios outorgados e definidores de qualidade social classificavam-se em
dois grandes grupos:
- privilégios de isenções fiscais e de aposentadoria, totais ou parciais;
- privilégios de distinção social.
Os
primeiros isentavam uma minoria, geralmente rica e poderosa, do pagamento da
totalidade ou não dos impostos que os indivíduos de credo moisaico deviam pagar
ao rei, ao concelho e à comuna . Daí que eles se revelassem com um carácter
opressivo para a comunidade que se via obrigada, através dos seus membros mais
pobres, a repor os impostos devidos por aquela. Contra estes benefícios
levantaram-se, ao longo de Quatrocentos, as vozes do povo miúdo das comunas e os nobres, usufrutuários dos direitos
reais, que se sentiam, por vezes, lesados nos seus rendimentos com a concessão
destas isenções fiscais. Aqueles lutavam por uma maior justiça distributiva no
pagamento dos diversos tributos e encargos às comunas e aos concelhos. Com João
I, os mesteirais e restante povo miúdo
de algumas comunas importantes, como Lisboa e Évora, tinham obtido a permissão
de elegerem dois representantes seus à câmara de vereação, de modo a estarem presentes
na repartição dos impostos e à apresentação das contas pelos magistrados
comunais. Por vezes, a oposição foi forte, como a que ocorreu em Lisboa, no
tempo de Afonso V que forçou o monarca a revogar os privilégios concedidos.
Os
privilégios de qualificação social tiveram o seu apogeu durante o governo deste
soberano. Traduziam-se pela concessão de cartas régias que permitiam ao judeu
fazer transportar-se em mula de sela e freio e a usar armas, sinais exteriores
de uma hierarquia social superior à do povo comum, similar à da gente honrada.
Recebem-nas os judeus cortesãos, privados do rei e da família real, e os
servidores da nobreza ou do alto clero, além do grupo numeroso dos físicos e
cirurgiões judeus. Nestes últimos, podemos ligar o privilégio à profissão desenvolvida;
nos restantes, era, sem dúvida, uma distinção social, não só perante a
sociedade judaica a que pertenciam, mas também perante a maioria cristã». In
História de Portugal, João Medina, volume VII, Judeus, Inquisição e
Sebastianismo, Maria José Pimenta Ferro Tavares, A Questão Judaica, SAPE,
Ediclube, Alfragide, Mateu Cromo, Madrid, 2004, ISBN 972-719-275-0.
Cortesia
de Ediclube/JDACT