O Mouro Lazeraque e o Infante Fernando
«(…) Osório, ao responder a uma interpelação de Agustin, pretende
demonstrar que as opiniões manifestadas pelas multidões sobre os mais diversos
assuntos não diferem, no essencial, das opiniões defendidas pelos homens
sábios. E, para melhor defender esta ideia, vai servir-se de alguns exemplos:
assim, inicialmente, tenta comprovar, através da utilização do exemplo de
Príamo, que os próprios inimigos reconhecem a virtude e o valor, mesmo quando
estes se encontram nos seus antagonistas. Mas, para que a demonstração seja
ainda mais convincente e prove, afinal que há em todos os homens, de forma
inata, uma opinião correcta e justa, vai apontar vários casos em que inimigos
públicos e declarados da virtude deram mostras de uma profunda admiração por
aqueles que a praticavam e, em outros casos, chegaram mesmo a pô-la em prática,
dentro de alguns aspectos particulares. O primeiro dos exemplos apontados é uma
personagem de Eurípides, Fedra, e Osório chega mesmo a apresentar uma
tradução de sua autoria dos versos de Hipólito.
Depois faz também uma breve referência à figura de Medeia para, de
seguida, deslocar a sua intervenção do campo das fábulas, como ele próprio diz, para o de algumas personagens
históricas. A primeira que nos é apresentada é Dion, tirano de Siracusa, que,
apesar de todos os seus crimes, fica profundamente impressionado com a amizade
de dois discípulos de Pitágoras e chega mesmo a desejar entrar no círculo dessa
amizade; volta ainda a referir-se a esta personagem para narrar a frontalidade
e dignidade com que a irmã o enfrentou. Faz depois uma breve referência ao
tratamento que o filho deste tirano deu ao filósofo Platão e vai demorar-se
algum tempo a apresentar a figura de Nero. Chega, finalmente, a descrição da
morte do Infante Fernando que tem como objectivo imediato utilizar em
favor das ideias que está a defender a reacção de Lazeraque a essa mesma morte.
Logo após esta descrição, Osório apresenta o seu comentário às palavras de
Lazeraque, reforçando, através da repetição e de algumas considerações
complementares o ponto de vista que pretende demonstrar.
Esta apresentação da morte do Infante Fernando é feita de uma
forma muito sintética, mas sem, no entanto, deixar de referir de modo claro os
dados que, na sua óptica, são fundamentais. Assim, começa por chamar a atenção
do seu antagonista para o facto de ir utilizar um exemplo que se refere a uma
personalidade da história portuguesa:
- In re tamen adeo perspicua unico tantum eoque recenti atque domestico contentus ero (Contudo, em assunto tão evidente, vou limitar-me a um único exemplo e mesmo este recente e nacional).
Faz, em seguida, a idenficação da personagem em causa, através da referência
ao nome próprio e ao nome do pai, e situa a acção em termos cronológicos e de
espaço geográfico, com o registo do reinado do rei Duarte I e da deslocação
para África. Indica ainda que, do ponto de vista militar, a situação nesta
campanha africana era a vitória das tropas portuguesas:
- Fernandus quidam fuit regius Lusitaniae prínceps, Ioannis regis hoc nomine primi filius. Is, defuncto patre, cum ab Eduardo rege illius fratre exercitum cum imperio obtinuisset, in Africam traiecit atque signis collatis ita parua manu cum innumerabili hostium multitudine saepe conflixit ut sempre ex illis uictorium reportaret (D. Fernando foi um magnânimo príncipe português, filho do rei D. João, o primeiro com este nome. Este príncipe, após a morte do seu pai e depois de obter do rei D. Duarte, seu irmão, o comamdo de um exército, passou a África. Aí, em batalha campais, lutou muitas vezes com pequenos contingentes contra uma multidão inumerável de inimigos e com tal denodo que sobre eles sempre alcançou vitória).
Mas o exército cristão vai sofrer um revés, resultado de uma traição,
diz Osório e, como consequência, o Infante Fernando fica preso às
ordens dos mouros para, mais tarde, sofrer a deportação para o interior da
Mauritânia:
- Sed tandem effectum est ut insidis oppressus in hostium potestatem perueniret et in mediterrâneas Mauritaniae regiones deportaretur (Ora, sucedeu, por fim que, vencido à traição, caiu em poder dos inimigos e foi deportado para as zonas interiores da Mauritânia)».
In João Manuel Nunes Torrão, O Mouro Lazeraque e o Infante Fernando. Um
‘Exemplum’ de Jerónimo Osório, Revista Biblos, volume LXVII, Universidade de
Coimbra, 1991.
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