sábado, 6 de setembro de 2014

Terra Brava. Frederico Brito. «Ouvir as nuvens, pelo ar troando milhões de pragas, num rugir cruento, a voz dos ramos a cantar bailando e as folhas secas, a bailar, cantando ao som da flauta mágica do vento»

Parabéns!
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A Voz das Coisas
«A voz das coisas que um queixume exala,
eco distante, soluçar profundo,
a voz de tudo, que de tudo fala,
qual voz dum sonho que outro sonho embala,
a voz que se ouve nos confins do mundo!

Ouvir as nuvens, pelo ar troando
milhões de pragas, num rugir cruento,
a voz dos ramos a cantar bailando
e as folhas secas, a bailar, cantando
ao som da flauta mágica do vento.

A voz das fontes a cantar baixinho,
regatos brandos, num palrar incerto,
búzios de barro presos a um moinho,
choupos gigantes postos no caminho
e areias tristes de qualquer deserto.

Ouvir as queixas da montanha enorme,
a voz do raio recortando o ar,
da rocha virgem, que sem manto dorme,
das ondas bravas, sobre o mar disforme,
berço que embala até a luz do luar.

A voz das coisas, que parecem mudas,
mas que um mistério manda os sons á flux;
a voz das pedras que eu julguei sisudas,
como a figueira, aonde o falso Judas
spiou o crime de vender Jesus.

Dum velho arado, que sulcou ligeiro,
brejos de mato, campos e devesas,
da cinza fria que já foi braseiro,
dum triste lenho, que era um castanheiro,
e posto em cruz ouviu milhões de rezas.

Tudo o que fala aquela voz distinta,
tornar em verso, que é ilusão cruel!...
Mesmo que a forma fosse a mais sucinta,
nem o mar todo, transformado em tinta,
e os astros d’oiro em rolos de papel!
Poema de Frederico Brito, in ‘Terra Brava

In J. Frederico Brito, Terra Brava, Versos, Empresa Nacional de Publicidade, Lisboa, 1932.

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