Contexto
Político-Religioso no qual viveu Augusto Eduardo Nunes, arcebispo de Évora
«(…)
Politicamente, ao pretender criar um quadro constitucional assente no
Parlamento, a Constituição de 1911 deu vida ao regime que faria reviver uma
série de rupturas, conflitos, confrontações e instabilidades políticas que o
caracteriza até 1926. Com tudo isto, multiplicaram-se as formações políticas
e a diversidade ideológica. Nunca como então o acesso ao poder foi tão
facilitado e ao mesmo tempo a queda desse poder tão rápida e definitiva. A
decisão tomada por Portugal de participar na I Guerra Mundial comprometeu todos
os ideais da regeneração do país. A crise económica agudizou-se e com ela a conflitualidade
social tomou-se constante. Com a economia de guerra e com a crise que se lhe seguiu,
a desorientação na política económica tomou-se total. Também os partidos
republicanos se encontravam divididos a seguir à guerra. Assim, revelaram
bastante dificuldade em gerir o processo político cada vez mais pulverizado
entre a agitação operária de base anarco-sindicalista e a reorganização
crescente das forças conservadoras, encabeçadas pelas elites católicas e por
monárquicos tradicionalistas. A inércia dos governos monárquicos tinha
desgastado progressivamente a imagem da Monarquia, que perante a opinião pública
se identificava como uma oligarquia. Este facto beneficiou os republicanos,
que, depois do Ultimato de 1890, intensificaram a sua propaganda com a
finalidade de ganharem uma base social de apoio com vista à conquista do poder.
Parece poder dizer-se que o ano de 1890
desencadeou, de uma forma clara e crescente, a crise do regime monárquico,
anunciando o princípio do fim do sistema que haveria de desmoronar formalmente no dia 5 de Outubro de 1910.
O
papa Leão XIII foi, sem dúvida, o pontífice mais destacado do seu século e
também o mais importante entre Bento XIV e Pio IX. A sua política e os aspectos
dessa política, nas suas incidências políticas e sociais, a sua orientação,
centralizando em Roma as diversas correntes do catolicismo e da igreja, a sua
dedicação à causa da Missão mundial, a sua esperança nos grandes movimentos de
conversão, o seu regresso à filosofia de São Tomás de Aquino, tudo isso são
manifestações de uma indómita vontade de restauração, mediante a orientação do
mundo moderno e tudo pela salvação da
Humanidade. Depois da sua morte, a 20 de Julho de 1903, a eleição do novo papa interessou aos políticos muito mais do
que a eleição de Leão XIII em 1878.
Esta realidade comprova que foi um pontificado influente e respeitado entre as
nações e os crentes católicos. A este propósito, lembramos que, a 31 de
Dezembro de 1900, o arcebispo Augusto Eduardo Nunes fez um sermão na Sé de
Évora no qual apresentou um balanço bastante positivo do século que findara. O
arcebispo de Évora, um dos mais cultos e
intervenientes prelados da altura, não se referiu somente à realidade
portuguesa, mas mostrou-se convicto de que no mundo católico, no nosso país e
em Évora era possível encarar com esperança o presente e o futuro. O orador foi
capaz, por entre luzes e sombras, de apresentar grandes vitórias do século XIX,
tais como a luta contra a escravatura e o despotismo e em favor da unidade e
solidariedade da família humana. O metropolita eborense lembrou também que
durante o século XIX apareceram herdeiros
de 1789 com o projecto de eliminar o cristianismo da sociedade e negar
a revelação do sobrenatural. Segundo o arcebispo eborense, os herdeiros de 1789 pretendiam suprimir o reinado social de Jesus Cristo; mesmo assim, o catolicismo em geral
ter-se-ia revigorado ao longo do século e ganho mais do que perdido. Augusto
Eduardo Nunes enumerou ainda um conjunto de sinais positivos e esperançosos
para o cristianismo: o maior prestígio do Papado, o impressionante surto
missionário, as congregações religiosas melhoradas, a renovação da
espiritualidade (devoção ao Sagrado Coração de Jesus, à Imaculada Conceição e
ao Ministério do Papa). Todos estes aspectos enchiam de esperanças o arcebispo
de Évora face ao século que ia começar. Constatava já como a revivência católica no século XIX iria
influenciar o reinado social de Cristo no século XX, capaz de conciliar o que
certa modernidade do século XIX tinha dissociado: a fé e a ciência, a
religião divina e as leis humanas, a igreja e a sociedade civil.
Vivia-se
num tempo em que a Igreja já não conseguia responder litúrgica e pareneticamente
às novas expectativas, preocupações e sensibilidades ético-filosóficas e
culturais assumidas principalmente pelas elites e por alguns estratos das
populações sobretudo residentes nas maiores cidades. Com a liturgia, também a
oratória sagrada teve muita dificuldade em acompanhar as novas circunstâncias.
Conjuntamente, foi capaz de elaborar a
apologética reclamada pelas necessidades do tempo. De facto, o arcebispo de
Évora foi um prestigiado orador sacro com amplos recursos literários e doutrinais,
riqueza retórica e agudeza apologética. O metropolita de Évora inseriu-se no
movimento da indómita vontade da
restauração mediante a orientação do mundo moderno e tudo pela salvação da humanidade que preenchia a
alma, o querer e as estratégias Leão XIII. Foi no pontificado de Leão XIII que
pela primeira vez a Igreja enfrentou a questão
social, consequência da Revolução Industrial. O contributo do papa através
da Encíclica Rerum novarum demonstra a concessão social do conjunto, que o
catolicismo tinha assumido, contrapondo-se a concessão economicista individual
da burguesia liberal. O arcebispo Augusto Eduardo Nunes centra a sua tese de
doutoramento (1880) nesta sensibilidade de Leão XIII, antecipando-se onze anos à encíclica da questão social». In
Senra Coelho, dissertação de Doutoramento, Mondeigneur Augusto Eduardo Nunes,
Archbishop of Évora (1850-1920), From the University of Coimbra to Archbishop
of ´+Evora in the Context of the First Republica, D. Augusto Eduardo Nunes,
Professor de Coimbra, Arcebispo de Évora, Paulus Editora, Lisboa, 2010, ISBN
978-972-30-1481-5.
Cortesia
de Paulus/JDACT