«A cidade de Chaves possui
um longo passado histórico, cujas origens remontam ao século I da nossa era.
Desde a fundação romana como Aquae Flaviae,
a cidade conheceu sucessivas ocupações, condicionadas por circunstâncias
geográficas e históricas variadas. Actualmente, Chaves constitui uma verdadeira
cidade histórica, onde as marcas e os vestígios materiais dos mais de 2000 anos
de ocupação se entrelaçam no plano urbano actual. Pese embora este
conhecimento, reconstituir a forma urbana que caracterizou os diferentes
momentos de ocupação do espaço urbano flaviense, bem como perceber as
transformações morfológicas que ocorreram na diacronia, constitui, ainda, um
enorme desafio. A cidade de Chaves, localizada no distrito de Vila Real,
desenvolve-se numa zona de vale, numa área correspondente a 25km², sendo
banhada pelo Rio Tâmega, importante eixo fluvial, cuja transposição desde cedo
determinou amplos investimentos públicos pelo poder central e local. Enquadrada
a leste pela Serra do Brunheiro, com altitude máxima de 919 metros,
a cidade encontra-se limitada a oeste por pequenas elevações de terreno, as quais
consolidam a Serra de Bustelo. Esta, por seu turno, constitui contraforte à Serra
do Larouco e ao planalto de Barroso. A norte localiza-se a Serra
de Mairos que se expande até Espanha e a sul situa-se um conjunto de
colinas que se prendem ao Brunheiro, no lugar de Pêto de Lagarelhos.
A posição geográfica de Chaves
terá sido avaliada desde muito cedo, constituindo um espaço de circulação muito
importante que desde os romanos materializou um conjunto relevante de vias. Uma
dessas vias, a via XVIII,
ligaria a cidade a duas importantes capitais de conventus, Bracara Augusta (Braga)
e Asturica Augusta (Astorga). Para além da importância
geográfica, também os recursos naturais, designadamente as qualidades
medicinais das suas águas, terão contribuído para a importância acrescida que a
cidade de Chaves adquire no período de dominação romana, mas também, nos
períodos seguintes. Actualmente, a cidade beneficia ainda de algumas destas
vantagens. Pretende-se estudar a
evolução da morfologia urbana da cidade de Chaves, entre o período romano, Aquae Flaviae, a Idade Média, Flavias ou Chaves medieval, analisando o
enquadramento histórico e geográfico que fundamenta os traços morfológicos e as
principais construções que caracterizaram o plano urbano romano e medieval. É
igualmente objectivo analisar as transformações morfológicas ocorridas no
espaço urbano flaviense entre os referidos períodos históricos, procurando
aferir as continuidades e ou descontinuidades verificadas entre os sucessivos
planos urbanos.
Resenha historiográfica de Chaves
A historiografia flaviense
apresenta uma tradição de cerca de quinze séculos, mergulhando as suas origens
nos relatos dos cenários das invasões suevas à cidade de Flavias, no século V. Reportamo-nos à Cronica ou Cronicon da autoria de Idácio, bispo de
Chaves, na qual é feita a descrição deste período tão atribulado da história da
cidade. Pese embora a subjectividade empregue pelo autor, esta obra integra os
acontecimentos que marcaram Aquae
Flaviae, à data Flavias,
no período de queda do Império Romano e consequente ocupação suevo-visigoda.
A narrativa histórica da cidade retomar-se-ia apenas no século XVIII, com a obra
Noticias Geographicas e Historicas da Provincia de Tras dos Montes,
da autoria de Tomé Távora Abreu e do padre José Fontoura Carneiro. Estes manuscritos
modernos foram, já no século XX, transcritos e, por conseguinte, democratizados,
por Júlio Montalvão Machado, em artigo homónimo à referida obra, publicado em 1989, no nº 2 da Revista Aquae
Flaviae (1989). A referida revista viria a tornar-se num veículo
editorial de significativa importância para a historiografia flaviense,
constituindo o meio preferencial de publicação da história de Chaves, quer a
nível arqueológico, designadamente das intervenções do Gabinete de Arqueologia
da Câmara Municipal, quer dos estudos de cariz histórico ou etnográfico. Refiram-se,
ainda, para o século XIX as referências feitas à cidade de Chaves, na obra História
de Portugal, de Alexandre Herculano.
As
últimas décadas do século XX correspondem, sem sombra de dúvida, ao período de
maior volume literário a propósito
das origens da cidade e da sua evolução urbana. A primeira obra de referência,
da autoria de António Montalvão, remonta a 1972
e intitula-se Permanece a urbanística de Aquae Flaviae?. Este
artigo constitui um ponto de partida irrecusável para quantos se debruçam sobre
a análise do traçado urbanístico da cidade romana de Aquae Flaviae e determina o início de uma corrente de
investigação que postula uma origem romana para a malha urbana da actual cidade
de Chaves. Nos finais da década de 70, Francisco Gonçalves Carneiro
publica A Igreja de Santa Maria Maior de Chaves, obra que
versa a história deste edifício polarizador das urbanizações medievais, bem
como a descrição do referido imóvel à data desta publicação (1979).
A mesma igreja integraria uma obra de índole mais generalista, da autoria de
Carlos Alberto Ferreira Almeida, denominada História de Arte em Portugal.
O Românico (1986). O dealbar da década de 90 encontra-se pautado
pela publicação da obra Aquae Flaviae,
de Antonio Rodríguez Colmenero, a qual constitui a primeira grande exposição
das evidências arqueológicas, móveis e imóveis, descobertas até à década
precedente. Esta obra inclui ainda uma revisão da literatura a propósito da génese
da cidade, filiando-se o autor na corrente presidida por António Montalvão (1990)».
In
João Manuel Gonçalves Ribeiro, O Tecido
Urbano Flaviense, de Aquæ Flaviæ a Chaves Medieval, Universidade do Minho, Mestrado
em Arqueologia, Instituto de Ciências Sociais, 2010.
Cortesia
da UMinho/JDACT