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Uma carta escrita pela minha mão
«(…) A crónica conta
que, ao regressar nessa mesma noite a Lisboa, depois do combate, o muito jovem
rei ouviu dos velhos e principais da corte, inimigos do infante, Pedro,
o insistente conselho para que se divorciasse da mulher. Mas nesta ocasião, Afonso
negou-se rotundamente a contentá-los e, com palavras de muito amor, escreveu à esposa,
que se encontrava em Santarém, pedindo-lhe desculpas por não a ir ver e
solicitando-lhe que regressasse a Lisboa. Com enorme força de ânimo, e fazendo
uso de discrição e prudência, dona Isabel Lencastre, que tinha então dezassete
anos, a mesma idade que o marido, obedeceu e dirigiu-se ao palácio das
Alcáçovas, onde se encontrou com ele nos aposentos reais. Pouco depois, o rei ordenou
que o seu mordomo, Álvaro Castro, fosse libertado e exonerado da acusação de
ter cometido adultério com a rainha. A história misturava ambição de poder,
invejas cortesãs e relações físicas e afectivas, tudo isso somado à necessidade
política de o rei ter um herdeiro o mais depressa possível, para consolidar o
poder real num momento de crise de autoridade no reino. Uma circunstância da
qual uma infanta de dez anos com inteligência precoce, como era sem dúvida
Joana, podia extrair úteis ensinamentos para a sua vida futura. De qualquer
modo, mais adequados à sua futura vida do que as lições que lhe cabia aprender
de cor naqueles dias.
Sobretudo porque, no que
diz respeito à educação das mulheres da realeza, é obrigatório perguntar até
que ponto as lições aprendidas, e nessa época quase sempre dadas por religiosos
chamados a fazer carreira na corte e na Igreja, eram realmente apreendidas por
crianças e adolescentes privilegiados que tinham sido tratados desde o berço
com respeito reverencial, inclusivamente por parte das pessoas da mais alta e
antiga nobreza. Dona Joana chegara a Portugal num período em que a irmã dona Catarina,
piedosa e estudiosa por natureza, segundo todas as fontes, já recebia aulas do
irmão da sua aia, Afonso Nogueira. Este sacerdote estava empenhado em levar
adiante uma obra religiosa e assistencial no antigo convento e hospital de
Santo Elói, situado muito perto do paço de São Bartolomeu (foi fundado em 1286
e Afonso Nogueira seria uma espécie de refundador, depois de ter participado na
criação de uma comunidade religiosa dos cónegos seculares de S. Salvador de
Vilar, instalados no mosteiro de Vilar de Frades, Barcelos, os futuros loios ou padres azuis, pela cor do seu hábito, que se tinham proposto acabar
com o clima de lassidão moral vivido em muitas casas religiosas fundadas por
nobres e prestar um serviço espiritual, e também médico, aos fiéis). O clérigo,
graças à relação das suas irmãs com as infantas e sobretudo à influência que
exerceria sobre dona Catarina, veria muito beneficiada a sua carreira
eclesiástica, a ponto de anos mais tarde ser eleito arcebispo de Lisboa.
A infanta também
começara a receber aulas de latim, e possivelmente de outras disciplinas, dadas
por Jorge Martins, posteriormente apelidado da Costa, outro clérigo chamado a
ocupar a cadeira arcebispal de Lisboa e que, provavelmente, ensinou a dona Joana
as primeiras noções de latim, uma vez que existem provas de que ela conhecia
correctamente esse idioma, ainda que não tão bem como dona Catarina que, com a
ajuda do arcebispo Jorge, chegaria a traduzir alguns textos religiosos para português.
É provável que tivesse sido também este clérigo, de nascimento humilde, mas de
elevado intelecto, o designado para ensinar a dona Joana outras matérias mais especializadas,
como história, genealogia e história sagrada, que então faziam parte do ensino das
mulheres da elite. O conteúdo de todas estas matérias variara, na verdade,
muito pouco desde a Antiguidade, e era geralmente transmitido por meio do
estudo de esboços biográficos (espelhos) e biografias, nas quais as princesas
e infantas encontravam traçadas, através das vivências de mulheres destacadas da
história, rainhas, santas e heroínas, linhas de conduta que respondiam a um
modelo feminino baseado na doutrina cristã estabelecida pelo apóstolo São Paulo
e por São Jerónimo». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o
Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio
Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.
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