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«(…) Os escritos de juristas que chegaram
até nós datam essencialmente dos segundo e terceiro séculos. E lançam muitas
vezes luz sobre a legislação anterior, nomeadamente acerca das reformas
empreendidas por Augusto. Após o final do século segundo, com a morte do jurista
Ulpiano em 228 e do último imperador
da dinastia dos Severos em 235,
os textos jurídicos e as fontes literárias tornam-se muito pobres. Depois de Diocleciano,
das perseguições e das guerras civis da primeira metade do século terceiro, o imperador
Constantino reina numa sociedade muito diferente, onde os ideais cristãos se desenvolvem.
As inscrições funerárias são, por vezes, úteis para esclarecer alguns aspectos
dos costumes romanos. Porém, também aqui se coloca o problema da relação entre realidade
e ficção, na medida em que as inscrições obedecem a códigos convencionais que põem
em causa a sinceridade das palavras. A história da arte e os dados oferecidos
pela arqueologia permitir-nos-ão completar o nosso estudo. Todavia, os testemunhos
dados pelas obras de arte, também eles, nunca são o reflexo exacto da realidade.
Todos os testemunhos que temos, literários, jurídicos ou artísticos, colocam o problema
da adequação das palavras ou das imagens à realidade e exigem,
consequentemente, uma interpretação prudente. A representação da vida sexual está
estreitamente ligada ao género literário em que se inscreve e que obedece a convenções
e a códigos precisos que determinam em grande parte a sua orientação, o seu tratamento
e as suas lacunas. A expressão literária do sentimento amoroso e dos prazeres
venéreos é, definitivamente, menos o resultado de uma experiência pessoal do que
um fenómeno de imitação para o escritor latino, que retoma frequentemente os códigos
de um género literário herdado da Grécia. Desejamos, por isso, ver nos corpos
mostrados uma construção cultural e nas diferentes sexualidades evocadas
tipos de discursos que mais exprimem uma ideologia do que fornecem informações,
mesmo quando se trata de personagens históricas, e que antes indicam quais foram
provavelmente as construções culturais das normas, dos ideais e das fantasias da
elite masculina romana. É evidente que, desde a fundação lendária de Roma até ao
apogeu do Império no século segundo da nossa era, os comportamentos e as mentalidades
dos romanos evoluíram. No entanto, a partir da República, a sociedade romana
permanece essencialmente estruturada em torno de alguns valores fundamentais. Uma
das grandes forças de Roma é a de ter sido capaz de evoluir integrando princípios
estrangeiros sem negar os seus próprios valores tradicionais fundamentais, o
que lhe permitiu estender o seu poder à volta de toda a bacia mediterrânica e manter
a sua identidade ao longo de cinco séculos ao mesmo tempo que a enriquecia.
Alguns historiadores pensam que
houve mudanças significativas nas tradições romanas, particularmente aquando da
passagem da República para o Império. Sem negar que este período marca uma viragem
na evolução dos costumes, tentaremos, todavia, mostrar que os códigos tradicionais
que regem os comportamentos sexuais em Roma se mantiveram da República ao Império
sem sofrer alterações particulares. Jean-Noel Robert esquematiza, por exemplo, na
sua obra Éros romain, a
história da moralidade sexual romana, destacando uma progressão que vai da virtude
no início da época republicana à fruição no final da República, à paixão
nos primeiros séculos do Império e, enfim, à temperança na época tardia.
Claro está que puderam produzir-se flutuações nas práticas; o crescimento das fortunas
e o desenvolvimento do luxo na classe dominante acarretam comportamentos desaprovados
pela moral pública; certos períodos são marcados por uma vontade estatal de conter
tais excessos. Porém, o que não muda é a ideologia, são as normas em vigor,
ou seja, o objecto principal do nosso trabalho.
Quando se torna necessário percorrer
todo o Império, ir das províncias situadas nos limites do deserto africano à Caledónia
(Escócia), ao Reno, ao Danúbio, é impossível levar a cabo um estudo que tenha
em conta a especificidade de cada uma dessas regiões romanizadas. O nosso
enquadramento geográfico será o de Roma; poderá, por vezes, estender-se a toda a
Itália e, em particular, a Pompeia e redondezas, sepultadas sob as cinzas do Vesúvio
a 24 de Agosto de 79 da nossa era. As
individualidades que surgem nas fontes literárias pertencem aos grupos
dominantes da sociedade (corte imperial, meios senatorial e equestre) e ao mundo
da prostituição. Essas fontes colocam atónica em Roma, a Urbs, no Direito romano, na religião romana, nas tradições do
mos maiorum. Como este trabalho
procura abarcar cinco séculos de vida sexual íntima, as lacunas serão inevitáveis
e, ocasionalmente, até mesmo voluntárias: um levantamento exaustivo de todos os
textos relacionados com a sexualidade constituiria seguramente uma leitura fastidiosa».
In
Géraldine Puccini-Delbey, A vida sexual na Roma Antiga, 2007, Edições Texto e
Grafia, tradução de Tiago Marques, 2010, Lisboa, ISBN 978-989-828-515-7.
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