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A “Sempre-Noiva”. Política matrimonial e Diplomacia paralela
«(…) De facto, Filipe casa pela terceira vez, 1560, com Isabel Valois, dita da Paz,
por celebrar a tão desejada aliança entre as coroas castelhana e francesa. Não
nos parece, contudo, que o pouco interesse da Infanta se devesse a uma escolha
pelo celibato, mas às negociações do seu casamento com Fernando da Alemanha,
que entretanto continuavam. A falta de documentação oficial sobre as
negociações de casamento de dona Maria com Fernando da Alemanha, mostram que os
contactos diplomáticos foram feitos por enviados da própria, de maneira
paralela, através de uma hábil rede de informações que lhe permitia patrocinar
um verdadeiro Estado dentro do Estado. A imagem de pia modéstia que a historiografia nos transmitiu não corresponde,
julgamos, à verdade; dona Maria assumia-se como uma grande senhora da cone e
figura de direito próprio, papel do qual nunca abdica, antes empola, depois da
morte de João III. A situação assim o exigia: antes mesmo que os Três Estados
nas Cortes de 1562 soubessem da
vontade de dona Catarina em abdicar da regência: … houve muitas Pessoas, que quizerão logo se nomeasse outro Sucessor [e]
apontavão na Senhora Infanta Donna Maria.
Longe, pois, de se recolher a um resignado celibato, a
Infanta emergia como uma figura pública de primeira linha e largos horizontes.
É certo que tinha alguns obstáculos a ultrapassar nesta questão: por um lado, o
cardeal Henrique (as disputas de dona Maria com o cardeal Henrique começavam
nas suas fortes e antagónicas personalidades, que tem, da parte de dona Maria,
afirmação no programa iconográfico da Igreja de N.ª Sr.ª da Luz, nomeadamente na
mesa-de-altar que apresenta nas estelas centrais o confronto entre a Fé e a
Ciência, e passavam pelas questões dinásticas e pela negação do pedido da
Infanta através de Sebastião, de ser enterrada no panteão dos Avis, ou seja na Casa
do Capítulo, ainda em construção, de Santa Maria de Belém), por outro o partido
castelhano, que acima de tudo temia a Infanta pela sua fortuna e pelo seu
sentido de Estado. Mas as suas reais hipóteses (o seu prestígio era tão grande
que um anel com as suas armas usado por António Leitão é citado como símbolo de
prestígio num processo de 1622) eram conhecidas de todos; entendendo-se melhor,
assim, a razão das inúmeras visitas que recebe a partir de então.
Brântome relata-nos as suas impressões quando, em 1566, a vê em Lisboa: … pois a conheci eu em Lisboa, com a idade
de quarenta e cinco anos, e era uma mui formosa e amável donzela, de boas
graças e bela aparência, doce e agradável, merecendo um marido semelhante a ela
em tudo, e mui cortês, principalmente para nós, os franceses. Posso afirmá-lo por
ter a honra de com ela por várias vezes e privadamente ter falado. E Jean
Nicot, embaixador de França em Portugal entre 1559 e 1561: … l’Infante dona Maria estoit avec le roy
quand je lui ai baisé les mains, qui est une belle princesse et si
richement parée qu'il sembloit qu'il ne fut demeurré pierre ni perle en
l'orient; on m'en a dict tant de choses honestes et vertueuses qu'il n'est
posible de plus [...] Madame l'Infante Maria estoit si richement drappée
de perles et pierries diverses que le soleil n'est pas plus brillant. Numa
carta de 12 de Outubro de 1567,
o dr. Wilson conta a William Cecil, secretário de Isabel I de Inglaterra, como
o haviam levado: … a uma grande sala onde
a rainha se achava sobre o throno, fallando com a Infanta dona Maria, filha da
rainha dona Leonor [...] elle se dirigíra a S.A. a Infanta dona Maria, e lhe
fizera os cumprimentos da parte da rainha d'Inglaterra». In Carla
Alferes Pinto, A Infanta Dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa
Renascentista, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-9440-90-5.
Cortesia da Fundação Oriente/JDACT