Cortesia
de wikipedia
Como
eu atravessei a África do Atlântico ao Mar Índico. Viagem de Benguela à
Contra-Costa, através de Regiões Desconhecidas. A Carabina d’el rei
«(…)
No correr do ano de 1869, fiz parte da coluna de operações que no baixo Zambeze
sustentou cruel guerra contra os indígenas de Massangano. José Maria Latino Coelho,
então Ministro da Marinha e Ultramar, dera ordem ao governador de Moçambique,
para que, finda a guerra, me proporcionasse os meios de subir o Zambeze, a
fazer um detalhado reconhecimento do país, tão longe quanto me fosse possível. A
ordem foi dada, mas não foi cumprida; e depois de vãs instâncias, e de um
ligeiro passeio pelas terras portuguesas da África Oriental, voltei à Europa,
com mais desejo que antes, de estudar o interior daquele continente, que mal
tinha visto. Razões particulares de família fizeram adiar, se não aniquilaram,
os meus projectos. Oficial do exército, sempre de guarnição em pequenas terras
de província, fazia das minhas horas de ócio horas de trabalho; e ainda que mal
antevia a possibilidade de ir a África, era o estudo das questões africanas o
meu único e exclusivo passatempo. As sublimes questões de astronomia não eram
por mim desprezadas, e o muito tempo que me deixava a vida da caserna era
repartido entre o estudo da África e do céu. Servia em Caçadores 12 no correr
de 1875, e ali tive por camarada um dos mais inteligentes homens que tenho
conhecido, o capitão Daniel Simões Soares.
Pouco
depois de termos feito conhecimento, ficamos ligados por estreita amizade. O
quarto mesquinho do ilustrado oficial, na caserna da Ilha da Madeira,
reunia-nos durante as horas em que o regulamento nos obrigava a viver ali; e
quantas vezes, estando um de nós de serviço, teve a companhia do outro! África,
e sempre África, era o nosso assunto de conversa. Apraz-me recordar esse tempo,
essas horas que fazíamos correr velozes, debatendo questões, que eu mal pensava
seria chamado a resolver um dia. Em fins de 1875, redigi uma memória, que
submeti à crítica de Simões Soares, e de outro meu camarada, o capitão Camacho;
memória filha das nossas intermináveis palestras Africanas. Propunha eu um meio
de estudar parcialmente o interior das nossas colónias de África Oriental, e
isso com a maior economia para o Estado. Depois de muito debatida a questão por
nós três, foi a memória enviada ao governo da sua majestade; mas soube depois
que nunca chegara às mãos do ministro da Marinha.
A
esse tempo, eu pensava outra vez em voltar à África, apesar de ser chefe de família,
e de me prenderem a Portugal interesses de subida importância. Por fins de 1876
voltei a Lisboa, e conheci que as questões Africanas tinham ali tomado grande
interesse com a criação da Comissão Central Permanente de Geografia, e com a
fundação da Sociedade de Geografia de Lisboa. Falava-se muito numa grande
expedição geográfica ao interior de África Austral. Fui procurar imediatamente
o ministro das Colónias. Era João Andrade Corvo. Se não é fácil explorar a
África, não é menos difícil falar ao ministro, e sobre tudo se esse ministro é João
Andrade Corvo. Tinha a seu cargo duas pastas, Marinha e Estrangeiros, e o tempo
não lhe sobejava para falar aos importunos. Persegui-o uns oito dias, e na
véspera da minha partida de Lisboa, obtive uma audiência do ministro dos
Negócios Estrangeiros». In Londres,
61 Gower Street, 5 de Dezembro de 1880, Alexandre Serpa Pinto, Como eu
Atravessei África, 1881, Projecto Livre, livro 502, Poeteiro Editor Digital, S.
Paulo Brasil, Iba Mendes, 2014.
Cortesia
de PoeteiroED/Iba Mendes/JDACT