domingo, 31 de janeiro de 2016

Viagem no 31. Sevilha. Século XVI. De Colombo a D. Quixote. Entre a Europa e as Américas. Carlos Araújo. «Homens como o célebre Alonso Ojeda que, ainda criança, fazia equilibrismo num poste, suspenso no ar, lá das alturas da Giralda»

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Arquitectura e festas
«(…) Também as artes decorativas revelaram artistas de primeiro plano, tais como o ceramista Francisco Niculoso Pisano (portal da igreja do convento de Santa Paula), os grandes ferreiros das grades da Catedral (Pedro Delgado, Cosme Soribes, Juan Méndez), os vidreiros flamengos que executaram os vitrais da Catedral (Arnao Vergara e Arnao Flandres), ou o excelente ourives Juan de Arfe, autor da célebre custódia processional da Festa do Corpo de Deus de Sevilha. Para concluir, há que citar os três grandes nomes da música polifónica sevilhana do século XVI, Francisco Guerrero, Alonso Mudarra e Cristóbal Morales, que são também três dos nomes mais importantes da idade de ouro da música espanhola. Com uma atmosfera tão faustosa e um clima tão sugestivo, era natural que Sevilha exercesse uma poderosa atracção sobre aqueles que a não conheciam mas tinham ouvido falar dos seus encantos. Sevilha, no século XVI, tornou-se uma encruzilhada de encontros, visitada por viajantes profissionais, marinheiros, comerciantes, intelectuais, religiosos, conquistadores. Por vezes, a presença simultânea de tantas personalidades célebres podia transformar a cidade, já metrópole económica incontestada, em capital intelectual, e mesmo em certos casos política, da Europa, como aconteceu quando o imperador, em viagem de núpcias em Sevilha, reuniu à sua volta, ministros e altas personagens da corte, e também figuras literárias tão importantes como Andrea Navagero (embaixador de Veneza), Baldassare Castiglione (núncio pontifício), Juan Boscán, o grande poeta catalão em língua castelhana, e talvez (mas o facto não está confirmado) Garcilaso La Vega. A sua reunião formava uma brilhante academia que talvez tenha servido de modelo às jovens gerações de intelectuais sevilhanos, que iriam sonhar, mais tarde, em converter a sua cidade numa nova Roma. Estes foram os anos em que Sevilha desempenhou um papel de primeiríssima grandeza, viveu as mais belas horas da sua história, atingiu uma dimensão universal, adquiriu um brilho inalterável e definiu uma personalidade original, personalidade essa que, para lá dos claros-escuros e das vicissitudes que a cidade iria conhecer posteriormente, se transmitiu às gerações vindouras como um património imperecível.

Uma cidade-mundo. Entre Colombo e D. Quixote
Sevilha é uma cidade de larápios e de arrivistas, de camaleões humanos que parecem viver do ar, de passageiros fixos, cuja função é aguardarem, com uma paciência evangélica, que a fortuna os acorde, sacudindo os batentes enferrujados das suas portas. Trinta e um de Março de 1493. Nesse dia, começa o grande século de Sevilha. Uma soberba caravela sobe lentamente o Guadalquivir. Cristóvão Colombo, o almirante do Mar Oceano, regressa depois de ter descoberto o Novo Mundo. No porão, dormem cinco selvagens, desses que povoam as terras longínquas donde vem Colombo. O almirante trá-los consigo para causar o assombro e a admiração da corte. Traz também estranhos pássaros de soberba plumagem e sementes de plantas inteiramente desconhecidas do mundo cristão. Dois meses mais tarde, durante o tórrido mês de Julho, Colombo regressa a Sevilha, preparando já a sua segunda expedição. Para essas terras novas leva o primeiro contingente de colonos, mil e duzentos homens e mulheres, bem como um número respeitável de cavalos, vacas e porcos, animais desconhecidos no Novo Mundo. De todas as terras da Península começam a chegar a Sevilha os aventureiros que, durante dois séculos, irão escrever, com o seu sangue, a golpes de audácia, os inúmeros feitos do empreendimento americano. Homens como o célebre Alonso Ojeda que, ainda criança, fazia equilibrismo num poste, suspenso no ar, lá das alturas da Giralda, e lançava, a rir, laranjas sobre os transeuntes assombrados e apavorados. Isto a fim de que os reis admirassem a sua coragem e lhe confiassem uma missão. Este valoroso homem de armas virá a ser governador da Colômbia, mas morrerá pobre, recolhido por caridade num convento de franciscanos. Assim se manifestam o anverso e o reverso da medalha, a glória e a miséria, da aventura americana». In Sevilha, Século XVI, De Colombo a D. Quixote, Entre a Europa e as Américas., O coração e as riquezas do Mundo, coordenação de Carlos Araújo, Carlos Martínez Shaw, Terramar, Lisboa, 1993, ISBN 712-710-073-2.

Cortesia de Terramar/JDACT