Cortesia de papiroeditora
«Fui na passada semana intervir em Gaia, a convite do chamado “Clube dos Pensadores” na pessoa do seu principal impulsionador, o biólogo Joaquim Jorge (é desta forma simples que ele gosta de se apresentar), num debate sobre os temas da Justiça e do Trabalho...
Devo reconhecer que essa iniciativa excedeu todas as minhas expectativas e constituiu uma experiência em absoluto entusiasmante, daquelas que mostram que "o mundo não está perdido" e que ainda há cidadãs e cidadãos de corpo inteiro neste país que não abdicam de pensar pela sua própria cabeça.
Assim é, que numa noite fria e com a concorrência (sempre "desleal") do futebol televisivo, numa sala de um hotel de Gaia, umas largas dezenas de pessoas das mais diferentes idades, profissões e até simpatias políticas e partidárias, compareceram e debateram animadamente durante cerca de três horas não apenas alguns dos problemas mais graves da nossa sociedade como também pistas e alternativas para a sua resolução. E só por isso a experiência valeu a pena,…
Mas o que é então o “Clube dos Pensadores?”
Como ele se define a si próprio:
- "é um Clube cuja génese da sua criação tem como objectivo a liberdade de expressão e pensamento. Está aberto a todas as pessoas que professem qualquer tipo de ideologia e às pessoas que gostam de agir livremente, sem impedimentos, somente manietados pela sua consciência. Baseia-se no princípio de que todos os cidadãos têm a garantia de não serem impedidos de exercer o direito de opinar, participar, sem coerção ou qualquer tipo de constrangimento partidário. Tem como finalidade abrir novos caminhos à participação dos cidadãos, criar novas formas de interessar as pessoas pela vida política e a reflexão sobre temas que estejam na ordem do dia da nossa sociedade actual ou problemas do Mundo Contemporâneo, responsabilidade ecológica, direitos humanos e globalização, voluntariado e novas dinâmicas da sociedade civil, dessacralização do Mundo e perda de sentido, paz mundial e diálogo inter-religioso, racismo e xenofobia, manipulação e meios de comunicação de massas".
Dentro destes princípios, o Clube dos Pensadores já convidou, ao longo de três ciclos de debates, personalidades tão distintas como Vicente Jorge Silva, Luís Filipe Menezes, Narciso Miranda, Manuel Carvalho, Manuel Alegre, […]Manuel Maria Carrilho, Pedro Santana Lopes, Rui Sá, e Manuel Serrão. E, ao que sei, todas essas sessões de verdadeira participação cívica se saldaram sempre por um assinalável êxito, quer do ponto de vista quantitativo, quer do ponto de vista qualitativo.
Simultaneamente, é evidente que o “Clube dos Pensadores” tem também granjeado incompreensões, ataques e tentativas de pressões e de manipulações por parte dos poderes e interesses instituídos a quem, "naturalmente", a existência de um grupo de cidadãos que ousa dizer o que pensa e ousa pensar o que diz soa a algo "desenquadrado", incontrolado e, logo, "subversivo" por natureza...
Cortesia de clubedospensadores
E não se pense que esses estremecimentos de horror, e as consequentes tentativas de silenciar o “Clube dos Pensadores” e as suas iniciativas, partem apenas dos sectores assumidamente mais retrógrados da sociedade portuguesa.
Eles partem também de uma certa "intelectualidade bem pensante",que por vezes até gosta de se apresentar como sendo "progressista" ou até de "esquerda", mas que é do mais reaccionário que existe à face da terra. A ponto de um dos jornais ditos "de referência" ter-se arrogado apelidar pejorativamente este núcleo de cidadãos de... Clube dos Poetas Mortos"!...
E que, pretendendo-se "proprietária" do pensamento social, adopta as mais das vezes a postura individualista, diletante, desesperada e impotente de quem nada compreende nem nada consegue alcançar do Mundo, mas que sempre procura impedir que os outros compreendam e alcancem ...
Mas tais tentativas de desvalorização e de silenciamento partem também, para não dizer sobretudo, do Poder, do Governo e do seu partido, o …, a quem manifestamente de todo não agrada que um grupo de cidadãos (abrangendo inclusive alguns dos próprios militantes …!) se ponha a pensar por si próprio e, sabe-se lá até a reflectir e supremo dos pecados!?, a discordar das medidas adoptadas do G… .
E, na verdade, não conheço outro local onde medidas de extrema gravidade, e tão incensadas por uma Comunicação Social completamente paralisada naquilo que deveria ser a sua função crítica essencial em Democracia, e cujos conteúdos e critérios de oportunidade e importância são fundamentalmente ditados pelas agendas dos Gabinetes e pelos assessores ministeriais, tais como a instituição do cartão único ou a criação do cargo de coordenador-geral das diversas polícias e dos serviços de informação, ou o completo desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, com o sucessivo encerramento de serviços hospitalares ou mesmo de hospitais inteiros e de SAPs, estas todas já aprovadas, ou, por exemplo, a alteração das leis laborais para, em nome desse novo chavão da moda que é a "flexigurança", alargar ainda mais as formas de contratação precária e passar, como já hoje se fala cada vez mais abertamente, a admitir o despedimento individual sem justa causa, tenham sido analisadas e debatidas.
E, entretanto, Portugal tem o maior "leque" ou fosso (8,2) entre os rendimentos mais elevados e os rendimentos mais baixos de toda a União Europeia (cuja média é, recorde-se, de apenas 4,9), bem como um dos maiores desempregos juvenis, sobretudo de licenciados (perto de 25%), e ainda um número real de desempregados que ultrapassa já os 600 mil, enquanto um 1/5 da sua população está a viver abaixo dos limiares mínimos da pobreza e o salário mínimo é de cerca de … euros mensais. A Justiça é das mais caras, mais lentas e menos acessíveis de toda a Europa, a Saúde vai pelo mesmo caminho, bem como a Educação, tudo isto num país em que 45% (!!) das crianças não completam o Ensino Secundário e que tem duas vezes e meia menos portadores de licenciaturas ou qualificações equivalentes do que a média da União Europeia ...
Cortesia de clubedospensadores
A produtividade da nossa economia não cessa de baixar, não obstante a drástica (e antes tão reclamada) "fexibilização" introduzida pelo Código do Trabalho. Isto, enquanto se mantém e mesmo se agrava a discriminação das mulheres trabalhadoras (sempre as primeiras a serem despedidas e as últimas a serem contratadas) e com uma escandalosa diferenciação salarial, em particular nos níveis de escolaridade e categorias profissionais mais elevados (por exemplo ao nível dos "quadros superiores" a remuneração média da mulher é, para os mesmos cargos e funções, de apenas 70% da remuneração média do homem). E enquanto de um quadro de 550 inspectores, e que a própria OIT recomendou que deveria ser aumentado para750, o Governo mantém preenchidos apenas 252 lugares da Inspecção-Geral do Trabalho. Ao mesmo tempo que esta, numa avançada demonstração do que é o "… "... - só aceita, para efeitos da comunicação, legalmente exigida, da celebração de contrato de trabalho com trabalhador estrangeiro ou apátrida, o máximo de três contratos por dia e por empresa!? E o Governo está já a colocar, designadamente no Ministério da Agricultura, milhares de trabalhadores na situação de "dispensados" com frontal desrespeito pelos próprios trâmites e formalidades que pela Lei nº 53/… estão definidas, com absoluta opacidade dos critérios que presidiram às decisões de mandar uns e não mandar outros, ao pior estilo ditatorial do "posso, quero e mando!" e da lógica de facto consumado do "primeiro levas, depois falas!".
Ora discutir séria e aprofundadamente estas questões, denunciar a natureza antidemocrática e mesmo ilegal deste tipo de medidas e afirmar alternativas a este estado de coisas é, naturalmente, muito perigoso e até claramente subversivo. Ajudar a formar cidadãos activos e conscientes que pensam pela sua própria cabeça revela-se qualquer coisa perto da conspiração. Rejeitar alógica da "normalização", do "pensamento único" e do "política ou jornalisticamente correcto" raia mesmo já a insurreição. E criar e manter em funcionamento núcleos ou grupos de cidadãos que assim actuam constitui então uma enorme e altamente preocupante proliferação de "armas de criação maciça"!
É por isso que a todos os prepotentes e antiprogressistas do mundo, por mais vestes "democráticas" e "liberais" que ostentem, se lhes parte sempre o verniz assim que não conseguem cortar a raiz ao pensamento dos cidadãos. E é por isso também que o grito que o "Círculo dos Pensadores" e que todos os círculos de pensadores livres lançam é afinal o mesmo que o poeta Miguel Unamuno, então reitor da Universidade de Salamanca, corajosamente lançou contra a arrogância do general franquista Millán Astray, e que nenhuma repressão ou prepotência alguma vez conseguiu ou conseguirá calar:
- "Viva a inteligência!";
- Que mil círculos de pensadores, que mil "armas de criação maciça" destas, floresçam, pois!».
In Clube dos Pensadores, Joaquim Jorge, Papiro Editora, Porto, 2009, Garcia Pereira, publicado no S… , de Abril de 2007, ISBN 978-989-636-368-0.
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