terça-feira, 1 de maio de 2012

Judeus e Cristãos Novos no distrito de Portalegre. Maria Ferro Tavares. «Mas, em traços gerais, que podemos dizer sobre e localização das judiarias que nos possa auxiliar na sua identificação? À semelhança do que ocorrera na maior parte dos outros concelhos, os judeus fixavam-se no exterior da muralha primitiva, próximo da designada Rua Direita, de rossios ou de praças e das vias importantes para o tráfego local e regional»



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«Comuna e judiaria identificavam-se por vezes na documentação, mas não significavam o mesno. Enquanto a primeira se definia pela autonomia administrativa e jurisdicional perante o concelho e os oficiais cristãos, a segunda era o espaço físico, a rua ou ruas habitadas pelos judeus e cujo centro era a sinagoga, onde se reuniam para rezar e ouvir ler a Torah, os homens separados das mulheres, tendo ao lado o balneário para o banho ritual ou “mikvah”.
A localização das judiarias desta região é ainda hoje, na sua maioria, problemática, pois a documentação coeva é escassa e imprecisa na sua informação. Conhecemos com uma certa precisão a área do bairro judaico de Castelo de Vide, a sinagoga, ou melhor: uma parte dela porque não creio que se limitasse só ao espaço conhecido, a menos que houvesse outra, dadas as características populacionais desta comunidade, e talvez o poço que abastecia de água. Dificuldades tive e tenho quanto a Campo Maior pois ignoro se aqueles pátios labirínticos poderão ser identificados com a judiaria e a toponímia s os documentos não nos ajudam muito.
Sabemos que, com o baptismo, os bairros judaicos , consoante a sua extensão, se passaram a designar por Rua Nova ou por Vila Nova. Na toponímia da actual cidade de Portalegre existe ainda hoje a Rua Nova, perto da Sé. Poderá ela ser identificada com a antiga judiaria? Sabemos pelos processos de Inquisição que muitos cristãos novos habitavam na freguesia de Santa Maria, e outros na de S. Lourenço.
Em Elvas, a Rua Nova ou antiga judiaria era também designada, no século XVI , por Rua do Alcamim e nela continuavam a habitar muitos descendentes dos antigos judeus que igualmente se espalhavam pela Praça, pele rua da Feira, pela rua da Porta de Olivença e pela porta de Évora.
As sinagogas, na sua generalidade foram adaptadas a habitação, como a de Castelo de Vide. Outras teriam sido transformadas em templos cristãos. Na tradição de Quinhentos, difundida em surdina entre os cristãos novos, tal teria sucedido com a sinagoga de Portalegre. En seu lugar, erguer-se-ia a igreja de invocação de S, Lourenço ou S. Lourencinho.
Mas, em traços gerais, que podemos dizer sobre e localização das judiarias que nos possa auxiliar na sua identificação? À semelhança do que ocorrera na maior parte dos outros concelhos, os judeus fixavam-se no exterior da muralha primitiva, próximo da designada Rua Direita, de rossios ou de praças e das vias importantes para o tráfego local e regional. Só mais tarde com o século XIV e com o surto de construção de muralhas à volta das diversas vilas do reino, o espaço geográfico ocupado pelo bairro judaico ficou integrado na área defendida, localizando-se geralmente próximo da muralha e de una das portas desta. Avizinhava-se também com as alcaçarias da curtimenta, ou seja, a zona habitacional e oficinal dos sapateiros e curtidores, profissões a que eles bastante se dedicavam.
Igualmente característico era a proximidade de uma ou mais igrejas, visando a conversão da minoria religiosa. Lembremos, para exemplificar, os casos de Lisboa, Évora, Porto, Lamego, Trancoso, Guarda, Ponte de Lima, Silves e Faro.
Ignora-se também o sítio certo dos adros ou cemitérios dos judeus, normalmente extra-muros. Em Portalegre é provável que a sua localização tivesse sido nas proximidades da igreja do Espirito Santo, pois quando se fez o “tanque” ou pia baptismal foram descobertas, em meados do século XVI, inúmeras ossadas que teriam sido na altura identificadas com as dos judeus falecidos antes do baptismo e que viriam a ser roubadas e levadas como re1íquias pelos seus descendentes.
Designados, desde os nosso primeiros soberanos, por “meus judeus”, a minoria judaica tinha o direito de poder habitar e circular livremente em Portugal,  mantendo a sua individualidade religiosa que se resumia essencialmente na autorização para ter sinagoga, poder celebrar os ritos e festas moisaicas, praticai o direito talmúdico entre si e reger-se por autoridades próprias, eleitas pelos membros da comunidade entre os seus correligionários elegíveis para os diversos cargos». In Maria Ferro Tavares, Judeus e Cristãos Novos no distrito de Portalegre, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Acta do I Encontro da História Regional e Local, Setembro de 1987.

Cortesia da FCSHUNL/JDACT