sábado, 2 de janeiro de 2016

Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe na Raposeira. Ana Maria P. Parente. «Após observação atenta de todos os elementos, tanto decorativos como arquitectónicos, apenas a cobertura da capela-mor corresponde a uma característica do estilo gótico»

Cortesia de wikipedia e jdact

História e Proposta Interpretativa
«(…) Para outros é contemporâneo do Infante Henrique. Por último, Alberto Iria dá-o como provável do reinado de Fernando, chegando a atribuí-lo ao seu mestre de pedraria e vedor de obras João Garcia Toledo baseando-se numas iniciais encontradas na mísula esquerda do primeiro arco. Adianta a possibilidade de ter sido mandada construir por algum rico lavrador ou armador de pesca que se tivesse libertado, assim como sua mulher e filho (baseando-se na chave da abóbada com três rostos), do cativeiro sofrido às mãos dos mouros. São imensas as referências a esta ermida durante o longo período em que o Infante Henrique permaneceu na região, nela ouvindo missa e recolhendo-se, sem que nunca se afirmasse ter ele estado ligado à sua fundação. Pela observação da obra e comparando-a com o que se fazia no País, em plena época gótica, parece impensável ter, este pequeno e retirado templo, as suas raízes nesse período e, ainda menos, que o Infante, Senhor tão poderoso, fosse o seu doador. No entanto não se exclui a sua intervenção, patrocinando alguma campanha de beneficiação ou restauro (em algumas nervuras e pormenores decorativos, de carácter aparentemente vegetalista, que se encontram no limite da chanfradura das aduelas de fecho dos arcos diafragma, assim como as pequenas volutas de remate da chanfradura dos saiméis dos referidos arcos e do triunfal, manifestam uma finura de execução que não tem correspondência nos outros elementos decorativos já descritos). Pelo já exposto, poder-se-á considerar os meados do século XIV como ponto de partida para o seu possível surgimento. Após observação atenta de todos os elementos, tanto decorativos como arquitectónicos, apenas a cobertura da capela-mor corresponde a uma característica do estilo gótico. Tudo o resto nos leva a um românico sem tradição local, mas que, no passado, no Norte do País, tinha proliferado, assimilando nas suas formas decorativas, muitas persistências de fonte pré e protohistórica, que tinham permanecido como invariáveis culturais. Foi esta singela ermida que, pelo seu conjunto, nos obrigou a recuar cronologicamente na época inicialmente proposta para o nosso estudo. A predominância da corda (mais tarde recuperada pelos escultores manuelinos), elemento decorativo de grande predilecção dos celtas, surge aqui em profusão. A cruz de braços iguais, inscrita, representada, no Norte, em várias igrejas românicas (como Santa Eulália de Arnoso); na própria Sé de Braga, no portal sul, etc., temo-la aqui, no óculo da fachada principal. As formas circulares, (ancestralmente ligadas ao culto solar) (encontramos aqui o que o autor designa por a arbre geneologique des signes solaires. Reunindo os principais derivados da roda: círculos, cruzes, estrelas, suásticas curvilíneas e rectilíneas, espirais, sinais em S. Tendo sido quase todos utilizados como representação do Sol, desde a Idade do Bronze. O símbolo com o número 15, é bem a esquematização do elemento decorativo presente tanto na chave como no capitel de Nossa Senhora de Guadalupe), umas de eixos oblíquos como o da chave da abóbada e do capitel e, a outra, simples mas perfeita circunferência, na pia de água benta, assim como a linha quebrada (a pia de água benta, curioso exemplar da arte rudimentar de algum ignorado lavrante [...]; é feita de um calcário rijo; a sua forma é singularíssima e a sua ornamentação constituída por traços relevados, numa cruz e em arruelas, não destoaria numa ardósia pré-histórica), rítmica, que debrua a mesma pia, continuam o rol de elementos queridos aos celtas, retomados pelos homens do românico. Esses celtas que não foram exclusivos do Norte e, bem pelo contrário, tiveram implantação e permanência no Sul, precisamente nesta região. Parece reforçar esta linha de pensamento, da sobrevivência de formas, o grande gosto por esses rostos que proliferam, ora nos ângulos diedros dos capitéis, ora na chave da abóbada, ora no próprio portal principal. Pela sua configuração e queixo exageradamente desenvolvido, são ainda a do capitel sul, do arco triunfal e um dos da chave, que mais se aproximam do esquema que deles faz Saxl e Wittkower, em obra comum. Os outros rostos parecem, igualmente, poder entrar na comparação com reproduções encontradas (Algumas figuras reproduzem portais de igrejas numa fase já adiantada da arte celta, mas onde são visíveis as tendências pré-históricas e em que esses rostos aparecem em capitéis, aduelas e mesmo como chave de arquivolta; não deixa de ser curiosa uma ilustração, que reproduz um capitel de Inchagolle, onde aparece um rosto com uma corrente na boca; seria um modelo perfeito para os escultores manuelinos aplicarem, e, possivelmente, falar-se-ia na representação de um escravo a ferros). As próprias chaves da abóbada que, pela irregularidade dos seus contornos, mais sugerem pedras recuperadas, não deixam de lembrar os discos de barro, da arte da primeira idade do ferro, onde os elementos se amalgamavam, tendo, como fim mágico, afastar possíveis malefícios. Aqui talvez desempenhem função de ex-votos, em especial a que contém os rostos (Se se confirmasse a hipótese levantada por Alberto Iria, quando o autor fala sobre a construção da ermida, querendo ver, nessa chave, a representação dos três elementos de uma família, que teria escapado ao cativeiro às mãos de mouros e, pelo facto, erigindo o templo em acção de graças. Mesmo a cabeça de bovino representa uma tradição, tanto na arte celta como, mais tarde, na românica, embora o milagre de Guadalupe, ao torná-lo protagonista, justificasse a sua presença». In Ana Maria Passos Parente, Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe na Raposeira, Excerto da dissertação de Mestrado de História da Arte, Escultura Figurativa na Arquitectura Religiosa do Algarve, na Baixa Idade Média, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 1987, Revista Medievalista, director Luís Krus, Ano 1, Nº 1, Instituto de Estudos Medievais, FCSH-UNL, FCT, 2005, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT

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