«(…) Sabem quem disparou?, inquiriu
Emily, com uma hesitação na voz que denunciou o seu próprio mal-estar.
Continuava sem entender porque alguém quereria matar Arno Holmstrand. Era, sem
dúvida, o rosto mais conhecido da universidade, mas era também um homem idoso,
com bem mais de setenta anos. Essencialmente, era um ancião reservado e um
pouco excêntrico. Não o conhecia muito bem. Haviam-se encontrado algumas vezes
e Arno argumentara uns comentários estranhos acerca da investigação de Emily,
os problemas que, já se esperavam que um velho professor levantasse sobre os
trabalhos dos seus discípulos. Contudo, o relacionamento entre eles não passara
disso. Eram colegas, não amigos. Todavia, isso em nada aliviava o choque. Uma
morte no campus, e ainda por cima um
assassínio, não era uma notícia de todos os dias. E Emily não podia evitar
sentir um certo carinho por Arno, embora valorizasse mais a reputação
profissional do professor do que o relacionamento pessoal entre ambos. Não
fazem ideia, respondeu Jim Reynolds. Os detectives continuam no edifício e a ala
encontra-se fechada. E assim ficará durante todo o dia. Ernily bebeu um gole de
café frio, mas desta vez o gesto de levar o copo aos lábios pareceu forçado,
óbvio, quase desrespeitoso. Era um comportamento demasiado normal para ser
feito à luz de tais novidades. Nem acredito que isto tenha sucedido aqui.
Maggie Larson ainda mostrava uma expressão de medo. Que alguém tenha tido a
coragem... Deixou que se apagasse o eco das suas palavras. Havia uma declaração
implícita: ninguém se sentia seguro agora que haviam assassinado um dos seus
colegas. O grupo mergulhou num prolongado silêncio, interrompido apenas pela
campainha a tocar atrás deles. A sessão seguinte de aulas estava prestes a
começar. Entreolharam-se com preocupação antes de cada um seguir para as suas
obrigações. Emily sentiu uma incómoda compunção quando tiveram de seguir caminhos
separados. Era aceitável que se despedissem para tratar cada um dos seus
assuntos como se a conversa sobre um colega morto fosse uma coisa banal? Por
certo haveria mais coisas para dizer, alguém devia admitir a emotividade daquela
situação.
Eu, bem..., lamento muito o que
sucedeu ao Arno. Foi tudo o que conseguiu dizer. Estava surpreendida por aquela
perda a afectar tanto. A reacção emocional que experimentava teria sido mais
compreensível no caso da morte de um amigo do que de alguém como Arno
Holmstrand, que nunca o havia sido. Aileen mostrou-lhe um ligeiro sorriso e
abandonou o local. Lutando contra a comoção que sentia, Emily regressou ao seu
gabinete, abriu a porta e entrou na minúscula sala. Era surpreendente a facilidade
com que a disposição de uma pessoa mudava e quão avassaladora podia ser uma
tragédia. Até ter recebido a notícia da morte de Arno, a sua mente estivera
focada numa outra coisa: no encontro futuro com o homem que amava. A ú1tima quarta-feira
antes do fim de semana prolongado de Acção de Graças significava apenas uma aula
logo pela manhã. O resto do dia, se Emilv conseguisse, seria passado a tratar dos
preparativos para a ansiada viagem que a levaria de Minneapolis a Chicago, onde
passaria o fim de semana com o seu noivo, Michael. Haviam-se conhecido há quatro
anos, também no período de Acção de Graças, ele era um inglês a estudar perto de
casa na sua área de especialidade, e ela uma impaciente estudante de mestrado que
fazia investigação no estrangeiro, tentando partilhar o significado da grande tradição
americana com os antigos suseranos coloniais, e desde então, aquele era o dia deles.
Todavia, essa feliz recordação terminou
de forma abrupta. O coração de Emily batia descontrolado e a adrenalina
aumentara desde que soubera do assassínio ocorrido no campus. Fez um esforço para reprimir o mal-estar que sentia e ligou
o computador na sua secretária. Por muito forte que fosse, o choque não podia
roubar-lhe forças para encarar todo um dia de trabalho. Deixou cair para cima da
mesa o correio que carregara na dobra do braço até àquele momento. Não reparou
no sobrescrito amarelo colocado entre dois folhetos de cores brilhantes, porque
ainda estava a pensar no assassinato e na sensação de perda. Os seus olhos não notaram
a peculiar e elegante caligrafia nem se fixaram na ausência de franquia e de remetente.
Foi algo que passou despercebido e se misturou com tudo o resto». In A.
M. Dean, O Bibliotecário, A Biblioteca Perdida, 2012, tradução de Dina Antunes,
Clube dos Livros, Lisboa, 2014, ISBN 978-989-724-124-6.
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