Segunda Carta III
(…) Mas nós também ainda não. Estamos alegres,
mas de forma alguma. Também ainda não sabemos o que inventar; como abandonar essa definição pelos limites, como inventar amor que
reconheça todos os abismos. De cada uma sim, estamos certas. Cada uma sabe a medida
do seu uso e da sua defesa, e aí nos entendemos. Eu disse o que interessa é o
exercício, o que nos resta, agora, vingança ao mundo, até novo tempo, e vocês
respondem esperando alguém, seu exercício, e por isso bem a amando, a cidade, e
vos desfazemos então em nosso sustento, senhores de cidadelas. E nos contamos
os homens e o que já feito, fazemo-nos laudas e bilhetinhos, como o dissemos. E
bem sentimos, que para além disso saltamos juntas, isso acertámos, para a
profundeza que ainda não criámos nem temos como certo podermos criar.
Não sei quem
excluímos, quem matámos. Mas o salto começou, com o cheiro a mosto, o falar de
pedra e o raspar de vidro. Fizemos a ara, a taça, o vinho, olhamo-nos de
soslaio e perguntamos quem imolamos, quem vencemos, quem usamos? Mas já
matámos, já excluímos; sugámos-lhe o sangue, o jogo e as armas. E não por
aventura, a que é necessário, depois, dar objectivo; afastemo-nos, pois, desta
sensação de mau sonho, deste sobressalto de quem acorda depois de luta no escuro
em legítima defesa e diz e agora, o que fazemos aos cadáveres? Há os que morrem
por boas intenções, e os que morrem por necessidade. Foi dita a gravidade desta
empresa, luta de vida, o que em nosso tempo e nosso sítio não é tido por
legítimo, nem por defesa». In 23/3/71
Mensagem de invenção de
Mariana Alcoforado
«Senhora de mim vos
sou
corpo por vós bem
talhado
que recompensa vos
dou
trocando nudez por
fato
figura de meu lamento
choro de muito
aparato
cartas escritas
porque entendo
que me perco e me
desprendo
se não vos culpo ou
vos mato
Sofrimento que dedico
à justa mágoa de mim
Pois a razão
desconheço
Senhor que de vós não
lembro
já o fim
nem o começo»
In
23/3/71
Terceira Carta III
Qu’est-ce que je deviendrai, et
qu’est ce que vous voulez que je fasse? Je me trouve bien éloignée de tout ce
que j’avais prévu...
... eu muitos peiches
pesquei naquêl rio e nesse tempo a água era lisa ela se podia mesmo beber, eu
não a bebi, mas vi quem a bebeu e não morreu por a ter bebido..., para o mar
ser limpo é preciso que os rios o sejam antes.
Esta carta do
emigrado canadiano remerciante veio-me às mãos e aqui no-la trago. Como se ora
tudo isto fosse o coito, a coita, a coifa, onde todos os rios afluem para um
mar a limpar, nós poluídas pelos dias e os ditos, rejeitadas de tantos lugares
ou deixadas para trás pelos que emigram ou nos fazem de flores, qui s’y
frotte s’y pique. Era o meu trági-comi-lema, frágil cantilena, para este
ano em que revolvi as circunstâncias sem saber a que constância minha (de dança
vocativa na praça / hasta que publica e outra) obedecendo.
Um dos que nos sabe
(duvida) já disse que podíamos morrer disto. E outro disse três monstros
como vocês! E outro apaziguou de pombas. Eu acho que estamos só fazendo a
mãe do rio (ó Agustina só e só) que não nos tolha a mão e o corpo roto, que/quem amar agora o que
fazemos não seja dividido a dividir-nos. Esta é a pobreza e a castidade. Hão-de
de susto dizer-nos até lésbicas, porque sobre este corpo (seis seios da novela
também rindo) não se podem pousar mãos a oferecer ou pedir prendas. Frágil e
fraco é o sexo do homem se divide sua mãe de si mesma. Amai-nos umas às outras
como nós nos amamos órfãs do mesmo bem, quem nos consinta a paz e a aventura, a
água lisa e o amor industrioso, pão e laranja limpos e a feijoca de fráguas,
porque na terra que Deus criou, nós somos todas iguais, e isto nos dá a coragem
de fazer assim uma aventura! In 24/3/71» In Maria Isabel
Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho Costa, Novas Cartas Portuguesas, 1972,
edição anotada, Publicações dom Quixote, 1998, 2010, ISBN 978-972-204-011-2.
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