segunda-feira, 1 de setembro de 2014

O Culto Português a Sant’Iago de Compostela ao longo da Idade Média. Manuel Cadafaz Matos. «Reportando-nos a Alexandre Herculano, com efeito, o conde Henrique realizou, no Inverno de 1097 a 1098 (supostamente partindo de Guimarães), uma viagem à Galiza para visitar o célebre templo de Sant’Iago»

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«(…) Constatando-se o teor destas trovas, somos levados a concluir que, ou Ayras Nunes era natural da Galiza mas não de Santiago (ali exercendo apenas, durante uma parte relativamente curta da vida o seu mester ao serviço da igreja) e daí não conhecendo totalmente bem, como peregrino, as vias ou os caminhos que conduziam a Santiago ou, então, esta busca, do caminho certo apresenta-se-nos aqui mas só num sentido figurado, mesmo que filosófico, por assim dizer, em termos de procura de uma razão de existência. A par desses dois poetas-trovadores de Santiago da Galiza, representados em significativo estilo no Cancioneiro da Vaticana, dois outros significativos autores desse mesmo período alfonsino, Paay Gomes Charinho e Pedro Amigo Sevilha, aí nos dão o seu precioso testemunho do seu louvor (e homenagem) ao Apóstolo. O primeiro deles, natural da cidade galega de Pontevedra, canta singulares estrofes nestes termos:

Ay, Santiago, padron sabido,
vós m'adugades o meu amigo...
Ay, Santiago, padron provado,
vós me adugades o meu amado.

Quanto ao segundo desses trovadores, Pedro Amigo Sevilha (cidade da sua naturalidade), os seus versos não são menos cativantes:

Quando eu un dia fui a Compostela
en romaria, vi hüa pastor
que, pois fui nado, nunca vi tan bela,
nem vi outra que falasse milhor
e demandei-lhi logo seu amor
e fiz por ela esta pastorela.

Alguns trovadores deste período souberam, por um lado, legar ao Cancioneiro da Vaticana uma nostálgica melancolia onde já se reinventa a palavra saudade. Outros, por sua vez, souberam falar do amor que se sente até doer. Em todos eles (e não sem, nalguns casos, se poder detectar algum exagero), a tristeza melancólica da partida e a ânsia, mesmo que doentia, do conflito da chegada, marcam por assim dizer as duas vertentes dominantes nesta estrutura poética. Nela o Amor fala pelo seu nome e quase sempre em discurso directo.
Hoje, estas trovas medievais têm um sabor muito próprio, um acre ao sabor cerimonioso e distante do passadismo histórico. Elas valem, afinal, pela distância que nos separa do tempo em que foram produzidas, em pleno período em que se ia de romagem a Santiago de Compostela a pé ou de mula, com um simples bordão e cabacinha (trilhando a pé, semanas a fio, caminhos pedregosos e poeirentos). Elas valem, também, num prisma verdadeiramente diferente, por estarem inseridas num outro contexto: o de constituírem o espólio cultural (oral e não só) luxuosas comitivas, organizadas quer por elementos da nobreza quer do clero, acompanhados de soldados e criados, ostensivamente munidos de teres e haveres.

Alguns casos exemplares de peregrinos ilustres que foram em romagem até ao túmulo do apostolo (séculos XI-XV)
Em pesquisas por nós efectuadas ao longo dos dois últimos decénios nos arquivos e bibliotecas portuguesas mais variadas com particular incidência para a Torre do Tombo, Biblioteca Nacional e Biblioteca da Ajuda, pudemos concluir pela existência de uma série de documentos medievais alusivos a peregrinações por parte de altas figuras portuguesas a Santiago de Compostela, alguns dos quais já se encontram publicados (individualizadamente), embora ainda desconhecidos no conjunto de uma formulação teórica de incidências socio-religiosas e psicossociais. Das várias peregrinações de personagens ilustres que, no período situado entre o século XI e meados do século XV foram de Portugal a Santiago na Galiza, contam-se as seguintes, entre outras:
  • conde Henrique, 1097;
  • Sancho II, rei, 1244;
  • rainha Santa Isabel, 1325;
  • conde D. Pedro, 1336;
  • Jan Van Eyck, pintor, 1429.
Reportando-nos a Alexandre Herculano, com efeito, o conde Henrique realizou, no Inverno de 1097 a 1098 (supostamente partindo de Guimarães), uma viagem à Galiza para visitar o célebre templo de Sant’Iago. Acreditando na veracidade deste facto, importa registar, no entanto, que nesse ano existia já, no essencial, a catedral compostelana, tal como hoje os peregrinos a conhecem». In Manuel Cadafaz Matos, O Culto Português a Sant’Iago de Compostela ao longo da Idade Média, Peregrinações de homenagem e louvor ao túmulo e à cidade do Apóstolo entre o século XI e século XV, Instituto Português do Património Cultural, Lisboa, 1985.

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