segunda-feira, 1 de setembro de 2014

O Mistério das Catedrais. Interpretação Esotérica dos símbolos herméticos. Fulcanelli. «Emitiam-se probabilidades, discutiam-se possibilidades, estudava-se no próprio local a alegoria do belo livro e a exegese abstrusa dos misteriosos símbolos…»

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«(…) É o asilo inviolável das pessoas perseguidas e o sepulcro dos mortos ilustres. É a cidade dentro da cidade, o núcleo intelectual e moral do aglomerado, o coração da actividade pública, a apoteose do pensamento, do saber e da arte. Pela abundante floração dos seus ornamentos, pela variedade dos temas e das cenas que a enfeitam, a catedral aparece como urna enciclopédia muito completa e variada, ora ingénua, ora nobre, sempre viva, de todos os conhecimentos medievais. Estas esfinges de pedra são assim educadoras, iniciadoras, em primeiro lugar. Este povo cheio de quimeras, de figuras grotescas, de figurinhas, de carrancas, de ameaçadoras gárgulas, dragões, vampiros e tarascas, é o guardião secular do património ancestral. A arte e a ciência, outrora concentradas nos grandes mosteiros, escapam-se da oficina, acorrem ao edifício, agarram-se aos campanários, aos pináculos, aos arcobotantes, suspendem-se das abóbadas, povoam os nichos, transformam os vitrais em pedras preciosas, o bronze em vibrações sonoras e desdobram-se pelos portais numa alegre revoada de liberdade e de expressão. Nada mais laico do que o exoterismo deste ensinamento! Nada mais humano do que esta profusão de imagens originais, vivas, livres, movimentadas, pitorescas, por vezes desordenadas, sempre interessantes; nada mais impressionante do que estes múltiplos testemunhos da existência quotidiana do gosto, do ideal, dos instintos dos nossos pais; nada mais cativante, sobretudo, que o simbolismo dos velhos alquimistas habilmente traduzido pelos modestos estatuários medievais.
A este respeito, Notre-Dame de Paris, igreja filosofal, é sem dúvida um dos exemplares mais perfeitos e, como disse Victor Hugo, a síntese mais satisfatória da ciência hermética, de que a igreja de Saint-Jacques-la-Boucherie era um completo hieróglifo. Os alquimistas do século XIV encontram-se aí, semanalmente, no dia de Saturno, no grande portal ou no portal de S. Marcelo, ou ainda na pequena Porta Vermelha, toda decorada de salamandras. Denys Zachaire informa-nos que o hábito se mantinha ainda no ano de 1539, nos domingos e dias de festa e Noël du Fail diz que o grande encontro de tais académicos era em Notre-Dame de Paris. Aí, no deslumbramento das ogivas pintadas e douradas, dos cordões das voltas das abóbadas, dos tímpanos com figuras multicores, cada um expunha o resultado dos seus trabalhos, desenvolvia a ordem das suas pesquisas. Emitiam-se probabilidades, discutiam-se possibilidades, estudava-se no próprio local a alegoria do belo livro e a exegese abstrusa dos misteriosos símbolos não era a parte menos animada destas reuniões.
Após Gobineau, Cambriel e tutti quanti, vamos empreender a piedosa peregrinação, falar às pedras e interrogá-las. Ai de nós! É já bem tarde. O vandalismo de Soufflot destruiu em grande parte o que, no século XVI, o assoprador podia admirar. E se a arte deve algum reconhecimento aos eminentes arquitectos Toussaint, Geffroy Dechaume, Boeswillwald, Viollet-le-Duc e Lassus, que restauraram a basílica, odiosamente profanada pela Escola, a Ciência nunca reencontrará o que perdeu. Seja como for, e apesar destas lamentáveis mutilações, os motivos que subsistem ainda são bastante numerosos para que se não tenha de lamentar o tempo e o trabalho de uma visita. Ficaremos, portanto, mais satisfeitos e largamente pagos pelo nosso esforço se pudermos despertar a curiosidade do leitor, reter a atenção do observador sagaz e mostrar aos amadores do oculto que não é impossível recuperar o sentido do arcano dissimulado sob a aparência petrificada do prodigioso engrimanço». In Fulcanelli, 1926, Le Mystère des Cathédrales, 1964, O Mistério das Catedrais, Interpretação Esotérica dos símbolos herméticos, Edições 70, colecção Esfinge, 1975.

Cortesia E70/JDACT