sexta-feira, 3 de julho de 2015

Afonso Peres Farinha. Miguel G Martins. «… ambicionavam protagonizar e que se convertiam num verdadeiro tirocínio para a idade adulta e, acima de tudo, para uma bem sucedida e, se possível, lucrativa ‘carreira de armas’»

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De Jerusalém à margem esquerda do Guadiana
«(…) Ainda que os seus ascendentes tivessem sido figuras próximas da Coroa e com alguma projecção e fortuna no seio da nobreza, o que lhes possibilitou mesmo armar diversos cavaleiros, Afonso Peres Farinha não passaria de um humilde cavaleiro de um escudo e de uma lança, como o próprio não hesita em afirmar na lápide que mandou gravar para o Mosteiro de Marmelar. Seria, pois, mais um entre muitos outros nobres detentores de pouco ou quase nenhum património e a quem o rei, de quem eram vassalos, atribuía soldadas tão reduzidas que mais não lhes permitia que a aquisição e manutenção das suas próprias armas e cavalo. Talvez isso seja, em parte, o resultado de alguma perda de importância social, económica e militar por parte de seu pai. Foi, pois, a busca de fortuna e, naturalmente, de algum protagonismo, que o impeliu a demandar paragens mais meridionais e a instalar-se, como muitos outros jovens cavaleiros nas mesmas condições, nas regiões de fronteira. Quase sempre impacientes, agressivos, por vezes brutais, turbulentos e instáveis, como os caracteriza Georges Duby, era nessas zonas que esperavam encontrar as oportunidades para o desempenho das façanhas guerreiras que ambicionavam protagonizar e que se convertiam num verdadeiro tirocínio para a idade adulta e, acima de tudo, para uma bem sucedida e, se possível, lucrativa carreira de armas.
Será, pois, neste contexto que, como um autêntico cavaleiro andante, Afonso Peres se instala na fronteira sul do reino. E será também aí que surgirão as tão desejadas ocasiões para demonstrar o seu valor e capacidades guerreiras, ao ponto de se converter, nas palavras de Hermenegildo Fernandes, num grande especialista da fronteira. Talvez Afonso Peres tenha chegado a essas regiões acompanhado por um pequeno contingente próprio, ou então talvez se tenha rapidamente integrado num dos muitos bandos de aventureiros que pululavam nestas zonas raianas e que colocavam os seus serviços à disposição de quem mais os beneficiasse. A maior parte dos exemplos conhecidos aponta justamente no sentido da preferência por uma errância, ou vagabundagem, colectiva e não individual ou mesmo solitária. Os principais motivos para esta opção parecem-nos fáceis de identificar: em primeiro lugar, por uma questão de segurança, pois assim podiam proteger-se mais facilmente de eventuais perigos; em segundo, porque talvez fosse mais fácil encontrar acolhimento junto de uma casa senhorial ou de uma ordem militar disposta a recrutá-los; e em terceiro, porque muitos destes jovens faziam-se acompanhar, nessa errância, por alguns dos que consigo haviam sido criados, ou que haviam, na mesma altura, recebido a investidura da cavalaria e cujos familiares mantinham, muitas vezes, relações de vassalagem ou outro tipo de dependência com a casa de origem do cavaleiro que, a partir de então, encabeçava essa pequena mesnada.
Diz-nos a lápide do Mosteiro de Marmelar que depois da sua ida para sul e durante cerca de 5 a 8 anos andou em guerra com muitos cavaleiros poderosos seus vizinhos, isto é, integrado nas mesnadas de alguns grandes senhores da região. Talvez na de Fernando, senhor de Serpa, ou na de Martim Anes Vinhal, que por essa altura actuava nas regiões do leste alentejano e que em 1238 desempenhou um papel fundamental na conquista de Mértola; ou ainda na de João Garcia Sousa que, também durante o reinado de Sancho II, embora em data que não é possível precisar, conseguiu submeter pela força das armas a vila de Alegrete. Uma outra hipótese é a de se ter associado à Ordem de Santiago, que então, sob o comando de Paio Peres Correia, lançava uma grande ofensiva contra as regiões do leste alentejano, ou mais provavelmente à do Hospital que, poucos anos antes, acabara de conquistar as praças-fortes de Moura e de Serpa». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.

Cortesia Esfera dos Livros/JDACT