Constança
Paço
de Coimbra, Reino de Portugal, 1330
«(…) O rei deixou a ordem: começai
a preparar a nossa defesa junto do papa, para que se anule o compromisso matrimonial
entre o infante Pedro e dona Branca de Castela. Suspirou e pediu um vaso de vinho
diluído com água. Sorveu-o distraidamente, enquanto cogitava no passo seguinte:
encontrar para o filho uma outra noiva nos reinos ibéricos.
Castelo de Toro, Castela
Violante..., sussurrei, olhando-a
disfarçadamente. Fez-me sinal de silêncio com os dedos nos lábios, também ela inquieta
pelo estrépito dos cavalos a galope cada vez mais nítido. Imaginei os cascos a revolverem
o chão poeirento pelos muitos meses de seca, não ousando erguer-me para chegar à
janela. Havia dias que novas damas de companhia me infestavam os aposentos,
enviadas por Afonso XI sem qualquer explicação. Ali se mantinham, temíveis na sua
pose de cera, examinando-me todos os gestos. Nada existia de mais opressor do que
o silêncio a alastrar pelo medo. A razão da redobrada vigilância mantinha-se uma
incógnita. Como tudo o que se passava em meu redor nos últimos anos. Violante segredara-me na véspera, num raro momento a sós
enquanto me aconchegava a cama ao deitar, que o rei de Castela mandara reforçar
o número de guardas junto à ala do castelo onde me mantinha cativa. Toro está em
alerta máximo, dissera. Por quê?, indagara junto ao seu ouvido, apertando-lhe a
mão quente. Saberemos em breve. Nada podemos fazer. Encadeei estes factos mal escutara
o tropel dos cavalos. Deveriam estar relacionados. Não ignorava que o meu cativeiro
provocava renascidos ódios entre a coroa e importantes alas da nobreza de Castela,
mas também com o reino de Aragão. Toda a Península estava em alvoroço. E nada
era o que parecia. Os acordos rasgavam-se com a mesma rapidez com que se escreviam
as assinaturas dos reis, sem vislumbre de respeito pelo mal que a quebra de compromisso
trazia, pelo vexame, por nada.
Soubera da desgraça da minha
prima direita, Branca de Castela, neta de Jaime II de Aragão por parte da mãe, como
eu. Chorara pela sua sorte, também presa na corte portuguesa enquanto lhe era
desenhado um destino, desfeita a esperança de casamento ou de se sentar no trono
ao lado de um rei. Certamente, acabaria entregue a uma casa de Deus, onde serviria
o Senhor até à morte como uma destituída, a jovem que fora em tempos futura rainha
de Portugal. Recordava-me da sua doçura quando partilhámos um estio nas terras aragonesas.
Em que poderia ter falhado Branca para causar o repúdio do infante português? Que
não era sã, constara. Branca? Também me haviam chegado rumores dos maus tratos que
a nova rainha de Castela, Maria, sofria por parte do marido. A que me extirpou o
trono e todos os meus direitos. Exposta publicamente à vergonha, a filha dos
reis de Portugal convivia na corte com a manceba assumida de Afonso XI, Leonor Gusmão,
que já lhe dera bastardos». In Isabel Machado, Constança, A Princesa
Traída por Pedro e Inês, A Esfera dos Livros, 2015, ISBN 978-989-626-718-6.
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