«(…) Comecemos por estas redondilhas,
escriptas naturalmente antes do mando injusto, que o forçou a embarcar.
Mote
Se me desta terra fôr,
Eu
vos levarei, amor.
Voltas
Se me fôr e vos deixar
(Ponho por caso que possa),
Esta alma minha, que é vossa,
Comvosco me ha de ficar.
Assi que, só por levar
A minha alma, se me fôr,
Vos levarei, meu amor.
Que mal pode maltratar-me,
Que comvosco seja mal?
Ou que bem póde ser tal,
Que sem vós possa alegrar-me?
O mal não pode enojar-me,
O bem me será maior,
Se vos levar, meu amor.
Vejamos agora como, alludindo a uma
predicção, o poeta nos dá noticia das duas desgraças que lhe aconteceram em um só
dia, a perda dos haveres que tinha agenciado no Oriente e com que contava para a
velhice, e a morte da sua alegre e doce companheira:
Cantando estava um dia, bem seguro,
Quando
passava Sylvio e me dizia
(Sylvio, pastor antigo, que sabia
Por o canto das aves o futuro):
Liso, quando quiser o fado
escuro,
A opprimir-te virão em um só dia
Dous lobos; logo a voz e melodia
Te fugirão, e o som suave e puro.
Bem foi assi, porque um me degolou
Quanto gado vaccum pastava e
tinha,
De
que grandes soldadas esperava;
E, por mais dano, o outro me matou
A cordeira gentil, que eu tanto amava,
Perpetua saudade da alma minha.
(Soneto
172).
E, vagueando pelos logares próximos
da terrível catastrophe, de que a custo salvara a vida e o Canto, em que
celebrava os feitos dos portugueses, o poeta exprime a sua dor pela morte da cordeira
gentil, em versos de incomparável belleza.
O ceu, a terra, o vento sossegado…
As ondas, que se estendem por a area...
Os peixes, que no mar o somno enfreia...
O nocturno silencio repousado...
O pescador Aonio, que, deitado
Onde co vento a agua se meneia,
Chorando, o nome amado em vão nomeia,
Que não póde ser mais que nomeado:
Ondas, dizia, antes que Amor me mate,
Tornai-me a minha nympha, que tão
cedo
Me fizestes á morte estar sujeita!
Ninguém responde. O mar de longe bate.
Move-se brandamente o arvoredo.
Leva-lhe o vento a voz, que ao
vento deita…
(Soneto 173).
Ah minha Dynamene! Assi deixaste
Quem nunca deixar pôde de querer-te?
Que já, nympha gentil, não possa ver-te!
Que tão veloz a vida desprezaste!
Como por tanto tempo te apartaste
De quem tão longe andava de perder-te?
Puderam essas aguas defender-te
Que
não visses quem tanto magoaste?
Nem somente fallar-te a dura morte
Me deixou, que, apressada, o
negro manto
Lançar sobre os teus olhos consentiste.
Oh mar! ó ceu! ó minha escura sorte!
Qual vida perderei que valha tanto,
Se inda tenho por pouco o viver triste?
(Soneto 170).
In José Maria Rodrigues, Camões e a
Infanta Dona Maria, Separata do Instituto, Imprensa da Universidade de Coimbra,
Coimbra, 1910, há memória do Mal-Aventurado Principe Real Luis Philippe (3 1761
06184643.2, PQ 9214.R64 1910.C1.Robarts/.
Cortesia
doAHistórico/UCoimbra/JDACT