quarta-feira, 29 de novembro de 2017

O Cavaleiro de Olivença João Paulo O Costa. «Os castelhanos entusiasmavam-se. Vamos apanhá-lo. Já estamos em terras de Portugal, capitão. Ora, ninguém nos vê»

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O pedido da Rainha
«(…) Ao sinal das rédeas, o galope recomeçou; a gritaria dos detrás já lhe chegava aos ouvidos, mas Francisco porfiou em sua cavalgada. Passado o tempo de dois padres-nossos, atravessaram o curso de água lamacento, quando soprou o silvo de um virote. Malditos. não desistem. Para seu desespero, Francisco apercebeu-se que os castelhanos não se intimidavam com a fronteira e que estavam dispostos a atacá-lo mesmo do lado do reino de Portugal. O Relâmpago dava sinais evidentes de cansaço e era óbvio que não chegaria à vila a galope. A distância encurtava e escutou novos silvos; um virote ficou cravado numa azinheira a dois passos de si. Viu uns arbustos mais densos e dirigiu-se para aí. Francisco pertencia aos serviços de espionagem d’el-rei de Portugal. Suas funções eram simples, mas sempre arriscadas, pois cabia-lhe transportar as informações obtidas pelos companheiros. Havia dois anos que percorria discretamente as estradas de Castela sem dar nas vistas, mas desta vez algo correra mal. Naquele Verão 1501, havia várias pendências entre as duas coroas, aliadas mas sempre desconfiadas. Os canais oficiais da diplomacia eram insuficientes pelo que de um lado e outro se buscavam mais informações.
Francisco pouco sabia dos assuntos que apoquentavam os seus senhores, pois era um simples correio. Recebia cartas, muitas delas em cifra, e levava-as para seu destino. Desta vez recolhera as mensagens em Valhadolid, Cáceres e em Mérida. Ele desconfiava que fora traído por algum dos informadores, pois sentira-se perseguido havia dois dias, quando recolhera uma última encomenda numa albergaria nas vizinhanças de Mérida. Fora a primeira vez que recebera correio nesse ponto e o seu contacto estava nervoso. Julgara que eram nervos de principiante, mas agora admitia que o desgraçado estava a fazer jogo duplo. Na véspera sentira os perseguidores, mas pensara que os despistara durante a noite. No entanto, havia duas horas, os cavaleiros tinham reaparecido, em dois grupos separados, que tentavam cortar-lhe o caminho para Portugal. A velocidade do Relâmpago e o conhecimento detalhado daquele território tinham-lhe permitido ludibriar os perseguidores, uma vez mais, até porque estes bloqueavam o acesso a Elvas, mas o seu destino era outro. Conseguira chegar a Portugal, mas agora encurralado.
Os castelhanos entusiasmavam-se. Vamos apanhá-lo. Já estamos em terras de Portugal, capitão. Ora, ninguém nos vê. Caçamos esse perro e voltamos prestes para o outro lado do rio. Mas não o matem. Quero-o vivo. Vede, capitão. Aproximam-se cavaleiros. A ele, antes que os outros cheguem. Nessa altura soou um estrondo e uma das montadas castelhanas tombou, arrastando seu cavaleiro para uma queda dolorosa. Cuidado. O cabr… tem uma espingarda». In João Paulo Oliveira Costa, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2012, 978-989-644-184-5.

Cortesia de CL/TDebates/JDACT