O
pedido da Rainha
«(…)
Ao sinal das rédeas, o galope recomeçou; a gritaria dos detrás já lhe chegava aos
ouvidos, mas Francisco porfiou em sua cavalgada. Passado o tempo de dois padres-nossos,
atravessaram o curso de água lamacento, quando soprou o silvo de um virote. Malditos.
não desistem. Para seu desespero, Francisco apercebeu-se que os castelhanos não
se intimidavam com a fronteira e que estavam dispostos a atacá-lo mesmo do lado
do reino de Portugal. O Relâmpago dava sinais evidentes de cansaço e era
óbvio que não chegaria à vila a galope. A distância encurtava e escutou novos silvos;
um virote ficou cravado numa azinheira a dois passos de si. Viu uns arbustos mais
densos e dirigiu-se para aí. Francisco pertencia aos serviços de espionagem d’el-rei
de Portugal. Suas funções eram simples, mas sempre arriscadas, pois cabia-lhe transportar
as informações obtidas pelos companheiros. Havia dois anos que percorria discretamente
as estradas de Castela sem dar nas vistas, mas desta vez algo correra mal. Naquele
Verão 1501, havia várias pendências entre as duas coroas, aliadas mas sempre
desconfiadas. Os canais oficiais da diplomacia eram insuficientes pelo que de um
lado e outro se buscavam mais informações.
Francisco pouco sabia dos assuntos
que apoquentavam os seus senhores, pois era um simples correio. Recebia cartas,
muitas delas em cifra, e levava-as para seu destino. Desta vez recolhera as mensagens
em Valhadolid, Cáceres e em Mérida. Ele desconfiava que fora traído por algum
dos informadores, pois sentira-se perseguido havia dois dias, quando recolhera
uma última encomenda numa albergaria nas vizinhanças de Mérida. Fora a primeira
vez que recebera correio nesse ponto e o seu contacto estava nervoso. Julgara que
eram nervos de principiante, mas agora admitia que o desgraçado estava a fazer jogo
duplo. Na véspera sentira os perseguidores, mas pensara que os despistara durante
a noite. No entanto, havia duas horas, os cavaleiros tinham reaparecido, em dois
grupos separados, que tentavam cortar-lhe o caminho para Portugal. A velocidade
do Relâmpago e o conhecimento detalhado daquele território tinham-lhe permitido
ludibriar os perseguidores, uma vez mais, até porque estes bloqueavam o acesso a
Elvas, mas o seu destino era outro. Conseguira chegar a Portugal, mas agora encurralado.
Os
castelhanos entusiasmavam-se. Vamos apanhá-lo. Já estamos em terras de Portugal,
capitão. Ora, ninguém nos vê. Caçamos esse perro e voltamos prestes para o outro
lado do rio. Mas não o matem. Quero-o vivo. Vede, capitão. Aproximam-se cavaleiros.
A ele, antes que os outros cheguem. Nessa altura soou um estrondo e uma das
montadas castelhanas tombou, arrastando seu cavaleiro para uma queda dolorosa.
Cuidado. O cabr… tem uma espingarda». In João Paulo Oliveira Costa, Círculo de Leitores,
Temas e Debates, 2012, 978-989-644-184-5.
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