«(…) Tal como antes, quando
obrigara Betty a manter-se silenciosa sobre os resultados da sua ressonância
magnética. Porquê? Não é nada que possa envergonhar alguém, retorquira Betty, traçando,
na perspectiva de Helen, uma fronteira invisível. Era a ela que pertencia o seu
corpo e a decisão era só sua quanto ao conhecimento das suas fotografias clínicas
e a quem as poderia ver. Finalmente Betty conseguira ser convencida, de colega para
colega, a guardar a informação só para si. Até Claude ter aparecido de repente e
a conversa ter terminado abruptamente com a sua entrada em cena. Ao reparar no silêncio
que se gerara, Claude ficara visivelmente consternado e perguntara-lhes: estiveram
a discutir? Mas ambas ignoraram o seu embaraço com sorrisos. E depois Helen resolvera,
espontaneamente, folgar durante o resto do dia sem, no entanto, deixar de se assegurar
de que todos os registos da sua experiência haviam sido destruídos. Mas agora
sentia-se arrasada. A cabeça doía-lhe, como acontecia tantas vezes quando tinha
de suportar ruídos mais altos. Com as pontas dos polegares e dos dedos indicadores
massajou as sobrancelhas. A seguir teria de tomar um comprimido ou, melhor, dois.
O meu corpo pertence-me, repetiu ela, baixinho. Eram as mesmas palavras que
dissera a Betty. Mas nem sempre fora assim. Era por isso que não gostava que os
outros pudessem ver o que se passava no ambiente secreto do seu corpo? Fora por
isso que reagira tão violentamente perante Betty? Devido à preocupação de que a
imagem do seu cérebro pudesse ser divulgada? Por instantes, viu a capa da Vogue
com a imagem da sua própria cabeça, e apressou-se a fechar os olhos com força
para afugentar essa visão. Suspirando, ergueu o rosto ao Sol e sentiu o calor
na testa. Era como se tivesse a esperança de que os raios ultravioletas lhe
queimassem os pensamentos tão sombrios.
Helen meteu a mão no bolso do casaco
e sentiu o papel do envelope entre os dedos. Tirou-o e olhou para a carta com o
timbre do Museu do Louvre, de Paris. Por baixo encontrava-se também o nome do diretor
da Coleção de Pintura, Louis Roussel. Leu de novo as linhas que ele lhe
enviara. Roussel expressava a sua satisfação por poder recebê-la em breve em Paris,
no Centro de Pesquisa e Restauro dos Museus de França (conhecido,
abreviadamente, por C2RMF). Tudo estava a postos para a investigação prevista. Além
disso, Roussel sublinhava mais uma vez a necessidade de manter o maior sigilo. Por
razões de segurança. E nem mesmo os seus colaboradores mais próximos, como Betty
ou Claude, deviam saber qual era exactamente o propósito da sua deslocação a Paris.
Se lhe parecia tudo algo exagerado, também servia para tornar a viagem mais atraente.
Um sorriso animou-lhe o rosto. Pensar em Paris despertava-lhe recordações antigas.
De um Verão passado. Vivera em Paris os seus momentos mais bonitos..., mas também
os piores. Helen dobrou o envelope para caber no bolso do casaco e roçou com a mão
no telemóvel. Um pouco desajeitadamente, tirou o headset e enfiou o pequeno auricular
no ouvido. Desde que lera numa revista especializada um estudo sueco, segundo o
qual as radiações dos telemóveis podiam provocar alterações no cérebro, recusava-se
a encostar directamente o aparelho ao ouvido.
Marcou o número do telemóvel de
Madeleine e demorou algum tempo até ouvir o sinal de chamada, o que lhe
provocou uma dor penetrante que se alastrou do ouvido interno até à têmpora. Depois
de cinco toques de chamada, foi encaminhada para a caixa de correio de voz. Helen
alegrou-se ao ouvir a voz clara da sua filha, que pedia para, depois do sinal sonoro,
lhe deixarem uma mensagem. Gostaria mais, no entanto, de ter falado directamente
com ela. Desligou. Seria de supor que estivesse em alguma sessão de terapia. A
rotina diária da clínica de San Antonio estava visivelmente organizada, o que
fazia parte da terapia. Há quanto tempo é que não via Madeleine? Há seis
semanas bem compridas. Mas era o que os médicos queriam porque era também o que
Madeleine queria. Helen soltou um suspiro bem audível. Ao pensar na filha, o coração
ainda lhe pesava mais». In Tibor Rode, O Vírus Mona Lisa, 2016,
Topseller, 20/20 Editora, 2016, ISBN 978-989-883-989-3.
Cortesia de Topseller/20/20E/JDACT