quinta-feira, 2 de novembro de 2017

O Pecado Espanhol. Carlota Joaquina. «… quando delas tomou conhecimento, ao novo embaixador francês, o marquês de Bombelles, uma fonte muito útil para conhecer os acontecimentos daquela época, se bem que extremamente parcial»

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Os caprichos de uma Infanta (1785-1790)
«(…) Em todo o caso, reais ou não, estes eram elementos característicos da melhor pintura cortesã da segunda metade do século XVIII antes da Revolução Francesa, e, no caso específico desta pintura de Carlota, inspirava-se em algumas imagens da rainha Maria Antonieta de França. Na realidade, a espectacular peruca decorada com lírios, rosas e petites boites que a infanta exibia não era mais do que a versão espanhola dos penteados chamados poufs aux sentiments, que alguns anos antes aquela rainha tinha começado a usar para grande assombro da corte de Versalhes, se bem que, no momento em que Maella terminava esta obra, começavam a ser considerados em França não apenas de gosto duvidoso pelos iluminados, como também uma manifestação de grave erro político, dada a crise económica que atravessava o seu reino e a fome do povo. Naquela altura, a mulher de Luís XVI, cujos sofisticadíssimos penteados custavam verdadeiras fortunas aos cofres da Coroa, começava a pagar o preço pelas decisões tomadas por quem tinha pensado casar uma jovem pouco preparada e algo superficial com um homem tímido que inicialmente não gostou de uma mulher pouco adaptada ao seu carácter.
O marido de Carlota, pelo contrário, assim que a viu considerou a sua dinâmica mulher perfeitamente do seu agrado. Gosto muito dela, escreveu João à sua irmã, a infanta dona Maria Ana, pouco depois de conhecer a infanta, no palácio ducal que os Bragança tinham em Vila Viçosa, onde, segundo uma versão, teve lugar o segundo casamento, isto é, bênçãos nupciais com as quais se concluía de presente o anterior matrimónio por procuração realizado em Espanha. Segundo a Gazeta de Lisboa, a união religiosa decorreu a 9 de Junho de 1785, na capela do Palácio da Ajuda, ainda em construção. Desde Abril de 1785 até meados de 1786, o principal periódico de Lisboa, órgão oficioso da monarquia foi dando conta aos seus leitores de todas as festividades que tiveram lugar nas mais diversas partes do império português, desde o Porto até às ilhas de Moçambique, para celebrar os faustíssimos Esponsais dos Senhores Infantes de Portugal e Espanha, uns duplos matrimónios festejados com iluminações, touros, cavalhadas, Te-Deums, serenatas, representações, mas que meses mais tarde causaram má impressão, quando delas tomou conhecimento, ao novo embaixador francês, o marquês de Bombelles, uma fonte muito útil para conhecer os acontecimentos daquela época, se bem que extremamente parcial.
De facto, não obstante os rumores que este diplomata pôs em circulação desde a sua chegada, em Outubro de 1786, sobre o efeito negativo causado pela infanta espanhola no seu marido, o infante João não tinha mostrado nenhuma contrariedade a esse respeito. A sua única preocupação era tudo o que o impedia de chegar o tempo de brincar muito com a Infanta. Em cartas à sua irmã, a quem dizia ter saudades, contava-lhe com muita graça que uma das suas ocupações em Vila Viçosa tinha sido acompanhar a infanta a passear na quinta num carrito e que de manhã e à noite eu tenho jogado o burro para a divertir. Ele achava que Carlota, não obstante a sua tenra idade, era muito esperta e tem muito juízo. Por outro lado, não estava de acordo com a dura disciplina à qual a submetida, e à qual ele chamava mortificação. Ele temia que pudesse atrasar o seu desenvolvimento, porque tu bem sabes que uma criança aperreada não cresce muito». In Marsilio Cassotti, Carlota Joaquina, O Pecado Espanhol, tradução de João Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-626-170-2.

Cortesia EdosLivros/JDACT