Os
caprichos de uma Infanta (1785-1790)
«(…) Em todo o caso, reais ou
não, estes eram elementos característicos da melhor pintura cortesã da segunda
metade do século XVIII antes da Revolução Francesa, e, no caso específico desta
pintura de Carlota, inspirava-se em algumas imagens da rainha Maria Antonieta de
França. Na realidade, a espectacular peruca decorada com lírios, rosas e petites
boites que a infanta exibia não era mais do que a versão espanhola dos
penteados chamados poufs aux sentiments, que alguns anos antes aquela
rainha tinha começado a usar para grande assombro da corte de Versalhes, se bem
que, no momento em que Maella terminava esta obra, começavam a ser considerados
em França não apenas de gosto duvidoso pelos iluminados, como também uma
manifestação de grave erro político, dada a crise económica que atravessava o
seu reino e a fome do povo. Naquela altura, a mulher de Luís XVI, cujos
sofisticadíssimos penteados custavam verdadeiras fortunas aos cofres da Coroa,
começava a pagar o preço pelas decisões tomadas por quem tinha pensado casar
uma jovem pouco preparada e algo superficial com um homem tímido que inicialmente
não gostou de uma mulher pouco adaptada ao seu carácter.
O marido de Carlota, pelo contrário,
assim que a viu considerou a sua dinâmica mulher perfeitamente do seu agrado. Gosto
muito dela, escreveu João à sua irmã, a infanta dona Maria Ana, pouco depois de
conhecer a infanta, no palácio ducal que os Bragança tinham em Vila Viçosa,
onde, segundo uma versão, teve lugar o segundo casamento, isto é, bênçãos nupciais
com as quais se concluía de presente o anterior matrimónio por procuração
realizado em Espanha. Segundo a Gazeta de Lisboa, a união religiosa decorreu a
9 de Junho de 1785, na capela do Palácio da Ajuda, ainda em construção. Desde Abril
de 1785 até meados de 1786, o principal periódico de Lisboa, órgão oficioso da monarquia
foi dando conta aos seus leitores de todas as festividades que tiveram lugar nas
mais diversas partes do império português, desde o Porto até às ilhas de Moçambique,
para celebrar os faustíssimos Esponsais dos Senhores Infantes de Portugal e Espanha,
uns duplos matrimónios festejados com iluminações, touros, cavalhadas,
Te-Deums, serenatas, representações, mas que meses mais tarde causaram má impressão,
quando delas tomou conhecimento, ao novo embaixador francês, o marquês de Bombelles,
uma fonte muito útil para conhecer os acontecimentos daquela época, se bem que
extremamente parcial.
De
facto, não obstante os rumores que este diplomata pôs em circulação desde a sua
chegada, em Outubro de 1786, sobre o efeito negativo causado pela infanta espanhola
no seu marido, o infante João não tinha mostrado nenhuma contrariedade a esse respeito.
A sua única preocupação era tudo o que o impedia de chegar o tempo de brincar
muito com a Infanta. Em cartas à sua irmã, a quem dizia ter saudades,
contava-lhe com muita graça que uma das suas ocupações em Vila Viçosa tinha sido
acompanhar a infanta a passear na quinta num carrito e que de manhã e à noite
eu tenho jogado o burro para a divertir. Ele achava que Carlota, não obstante a
sua tenra idade, era muito esperta e tem muito juízo. Por outro lado, não estava
de acordo com a dura disciplina à qual a submetida, e à qual ele chamava mortificação.
Ele temia que pudesse atrasar o seu desenvolvimento, porque tu bem sabes que uma
criança aperreada não cresce muito». In Marsilio Cassotti, Carlota Joaquina,
O Pecado Espanhol, tradução de João Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009,
ISBN 978-989-626-170-2.
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