A
Mulher que Amou Jesus
«Sentou-se
com um sobressalto. O óleo da lamparina tinha acabado. Do lado de fora, ouvia o
som delicado da água do grande lago, próximo à sua janela, batendo nas margens.
Estendeu a mão e tocou-a. Estava húmida. Teria sido por isso que aquele ser a abandonara,
deixando-a cair? Esfregou a mão com força. Não, deixa-me secar a minha mão! Gritou,
silenciosamente. Não me abandones! Eu posso secá-la! Volta, murmurou. Mas
a única resposta foi o silêncio do quarto e o barulho da água. Precipitou-se
para o quarto da sua mãe e do seu pai. Estavam a dormir profundamente; não precisavam
de lamparina, dormiam às escuras. Mãe!, gritou, agarrando o seu ombro. Mãe! Sem
permissão, subiu para a cama e aconchegou-se entre as mantas quentinhas, junto de
sua mãe. O que..., o que foi? A sua mãe lutava para articular as palavras. Maria?
Tive um sonho tão estranho, choramingou. Estavam a levar-me para o alto...,
para um céu, não sei bem para onde, só sei que não era neste mundo, havia anjos,
acho eu, ou..., não sei muito bem... Parou, com a respiração ofegante. Acho que
fui..., que fui chamada. Chamada para me juntar a eles, para fazer parte da sua
companhia... Mas tinha-se assustado e não teve a certeza de querer juntar-se a eles.
Então, o seu pai sentou-se na cama. Que história é essa?, disse. Um sonho?
Sonhaste que te estavam a chamar? Natan, a mãe de Maria estendeu o braço para o
acalmar, tocando-lhe no ombro.
Não sei se estava a ser chamada, disse
Maria, em voz baixa. Mas tive esse sonho, com pessoas que estavam em lugares muito
altos e... Lugares altos!, gritou o seu pai. Isso é onde estavam os antigos ídolos
pagãos. Nos lugares altos! Mas não eram pedestais, respondeu Maria. Era diferente.
As pessoas que estavam a ser homenageadas estavam num local acima das outras, e
eram pessoas, não eram estátuas... E tu achas que foste chamada?, perguntou o seu
pai. Porquê? Perguntaram-me se me juntaria a eles. Disseram: vens connosco? Ao dizer
isto, pôde ainda ouvir as doces vozes. Devias saber, filha, que se acabaram as profecias
na nossa terra, disse o seu pai, finalmente. Palavra alguma foi pronunciada por
um profeta desde o tempo de Malaquias, e isso foi há quatrocentos anos. Há muito
tempo que Deus não nos fala dessa forma. Fala-nos somente através da Lei Sagrada.
E isso basta-nos.
Mas Maria sabia o que tinha visto,
uma glória e um calor transcendentes. Mas, pai, insistiu, a mensagem e o convite
foram tão claros. Disse, em voz baixa e respeitosa. Mas ainda estava a tremer. Minha
querida filha, foi uma ilusão. Foi apenas um sonho, talvez por nos estarmos a preparar
para ir a Jerusalém. Deus não te ia chamar. Agora volta para a tua cama. Ela
agarrou-se à mãe, mas esta afastou-a para o lado. Faz como o teu pai te diz, mandou.
Maria voltou para o seu quarto, ainda envolvida pela majestade do sonho. Fora real.
Ela sabia que fora real. E, se fora real, então o seu pai estava enganado.
Nas horas que antecediam o nascer
do Sol, a família preparava-se para a peregrinação a Jerusalém, para a Festa das
Semanas. Maria estava excitada, porque os adultos andavam ansiosos com a viagem,
e porque a visita a Jerusalém era a ambição de todos os judeus. No entanto, o principal
motivo do seu entusiasmo devia-se a, com sete anos de idade, nunca ter saído de
Magdala e, certamente, haveria aventuras pelo caminho. O seu pai mencionara-as,
de passagem, quando dissera: vamos a Jerusalém pelo caminho mais curto, por Samaria,
e por isso levaremos três dias de viagem, em vez de quatro. Mas é perigoso. Têm
acontecido ataques contra peregrinos». In Margaret George, A Paixão de Maria
Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN
972-883-911-1.
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