A Vida de Casada
«(…) Com a morte do marido, a astuciosa
condessa começa a revelar o seu projecto de poder e, a partir de Maio de 1112, os
documentos passam a conter apenas a assinatura de Teresa, a qual se declara filha
do bom rei ou do grande rei e imperador Afonso VI, numa prova de que aquela era
a hora certa de afirmar o governo e a autoridade que iria exercer. No entanto,
parece-me que, apesar das vitórias conseguidas sobre Espanha e do sentimento nacionalista
que ajudou a criar, Teresa se terá digladiado, muitas vezes, sob uma espada de duas
forças contrárias. De um lado, o baronato portucalense, que reivindica para ela
um lugar paralelo ao de Urraca, pelo menos na autonomia da Galiza, e, do outro,
os magnates galegos que querem forçá-la a aceitar a unificação de Portugal e da
Galiza. Esta duplicidade de sentimentos poderá, eventualmente, explicar a
táctica dos galegos Trava para tentarem casar a rainha-viúva com um deles,
e também as atitudes de Urraca, que, conhecendo bem a meia-irmã, nunca deixou
de a usar contra os galegos ou de utilizar estes contra ela, conforme os interesses
do momento. Mas Teresa não era dada a fraquezas e gostava, mesmo, de exercer o poder.
Assim, depois de assumir o governo, passa a assinar os actos governativos como infantis
domna Tarasia, numa marca bem visível da sua jurisdição.
E a partir de 1117, atreve-se, mesmo,
a apelidar-se rainha, como filha de rei que era e, na minha opinião, numa tentativa
de mostrar que não aceitava qualquer género de dependência de Leão. Com vista a
reforçar-se perante a irmã, decidiu instalar-se em Astorga e pactua com o rei de
Aragão, aproveitando para o indispor contra Urraca, sua mulher. Para tal,
inventa, com razão ou sem ela, que a consorte o pretendia matar. As intrigas foram
tantas, que consegue separá-los. O que também lhe traz alguns dissabores, visto
que é esse facto que acaba por conduzir à sua expulsão do território, criando-lhe
uma situação embaraçosa. Todavia, perspicaz como é, convence Celmirez, bispo de
Compostela, a usar da sua influência em seu favor. E fá-lo, sabendo que este prelado
se encontrava, junto com Pedro Froilaz, conde de Trava, à frente de um forte partido
na Galiza que queria para rei Afonso Raimundes, filho de Urraca. Logo, o apoio
dado a Teresa pelo religioso iria obrigar a irmã a ficar quieta e nada fazer contra
ela, visto que Urraca não podia dar-se ao luxo de prescindir de Gelmirez.
São factos como este que mostram bem
a habilidade política de Teresa. Com efeito, não podendo continuar o trabalho
guerreiro do marido, sabe que tem de encontrar meios alternativos de defesa e de
ataque. Como, aliás, refere Herculano, quando escreve a seu respeito: recorreu às
armas de que a sua fraqueza mulheril podia tirar tanta vantagem como o marido do
esforço e perícia militar; empregou a astúcia. E é esta astúcia da sua governação
que não pode nem deve ser vista, apenas, como uma mera transição entre os governos
do marido e do filho, mas, antes, com a atenção que ela de facto merece, se quisermos
perceber quanto especial e importante foi, para nós, esta mulher. O marido,
Henrique, jamais esqueceu a sua nacionalidade, daí rodear-se de conselheiros franceses,
nem os seus interesses, que visavam mais multiplicar as suas terras do que fortalecer
o Condado Portucalense. Como mais tarde o historiador Veríssimo Serrão diria: nunca
perdeu a característica mercenária e belicosa que o trouxera à Península e que
fizera dele um afamado guerreiro. Já dona Teresa tem como objectivo o fortalecimento
do Condado, sem esquecer a expansão das fronteiras, como prova o povoamento de Oliveira
do Hospital, Tondela e Resende. É uma mulher de alma hispânica que, ao contrário
do marido, prefere ser aconselhada por galegos e alguns barões do Condado. A segurança,
outra das suas preocupações, leva-a a redobrar os cuidados em face do perigo
muçulmano. E, provavelmente, datará dessa época a fixação de alguns membros da nobreza
galega, cujos exércitos lhe poderiam ser úteis. Quanto à política leonesa e à defesa
do Condado, se o marido era ambicioso, Teresa não o foi menos. Mal ele morre, decide,
orgulhosa e altiva, aparecer na Corte de Astorga e, perante a irmã e o pai,
defender as posições do defunto». In Helena S. Cabral, As Nove Magníficas,
2008, Clube do Autor, 2017, ISBN 978-989-724-330-1.
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