A
Mulher que Amou Jesus
«(…) Os dois grupos de viajantes encontraram-se
na encruzilhada da estrada, acima de Magdala, eram, agora, cerca de vinte e
cinco famílias que iriam fazer a viagem. Muitos deles eram parentes, distantes
ou não, e, portanto, um grande número de primos, de terceiro, quarto, quinto ou
sexto graus, iriam encontrar-se e brincar juntos durante a viagem. A família de
Maria viajava apenas junto das famílias que eram muito rigorosas quanto à fé. Quando
se preparavam para continuar a procissão, Eli não resistiu em provocar
Silvanus. Não entendo por que carga de água estás a fazer esta viagem, disse,
uma vez que não concordas com o nosso modo de pensar. Para quê ir a Jerusalém? Em
vez de uma resposta ordinária, Silvanus, pensativo, disse: por causa da
história, Eli, por causa da história. Adoro cada uma das pedras de Jerusalém,
porque elas contam histórias, e fazem-no com mais clareza e objectividade do
que as palavras dos pergaminhos. Eli ignorou a seriedade com que o seu irmão
respondera. E uma história que nem conhecerias, se não tivesse sido escrita nas
próprias escrituras que desprezas! Não são as pedras que falam e nos contam a
história, mas sim os escribas que a registam para a posteridade. Lamento que só
dês crédito a ti próprio através dos sentimentos mais requintados, disse
Silvanus, por fim. E parou, juntando-se a outro grupo; não ficaria próximo do
seu irmão o resto da viagem.
Maria não sabia com qual deles
ficar, portanto dirigiu-se para onde estavam os pais. Caminhavam de forma
resoluta, olhando na direcção de Jerusalém. O Sol estava forte e a claridade
fazia com que pestanejassem, protegendo os olhos com a mão. Nuvens de poeira
sopravam. O verde surpreendente da Primavera da Galileia começara a
desaparecer, dando lugar a um tom pardo e fosco; as coloridas flores silvestres
que pontilhavam as ladeiras dos morros tinham murchado e desaparecido. Até à
chegada da próxima Primavera, a paisagem iria tornar-se progressivamente mais
escura e aquela gloriosa explosão da natureza iria transformar-se em mera
recordação. A Galileia era a região mais exuberante do país, parecendo-se a um
paradisíaco jardim persa em terra de Israel. Os galhos das árvores de fruto
estavam repletos de maçãs e romãs; via-se o verde brilhante dos figos a
espreitar por entre as folhas. E as pessoas colhiam-nos; os figos novos nunca
permaneciam nas árvores por muito tempo. O grupo, desajeitado, ia subindo com
dificuldade até ao topo das colinas que rodeavam o lago, e Maria pôde olhá-lo
uma última vez, antes que desaparecesse por completo.
Adeus, lago Harpa!, cantarolou
para si própria. Não havia a angústia da despedida, apenas a expectativa do que
viria. Estavam a caminho, a estrada chamava-os e, em pouco tempo, as colinas e
as montanhas que Maria conhecia desde a mais tenra idade desapareceriam, para dar
lugar a coisas que nunca vira. Seria maravilhoso, seria como receber um
presente extraordinário, como abrir uma caixa cheia de objectos novos e
brilhantes. Pouco depois chegavam à Via Maris, uma estrada mais larga e uma das
principais desde os tempos da Antiguidade. E também muito movimentada: cheia de
comerciantes judeus; as figuras esguias e de olhos penetrantes dos nabateus,
nos seus camelos; negociantes da Babilónia, envoltos por túnicas de seda e
exibindo brincos de ouro que, a Maria, lhe pareciam muito pesados. Inúmeros
gregos, também, que se misturavam com os peregrinos que se dirigiam para Sul.
Mas havia um tipo de viajante que todos os outros evitavam: os romanos. Os
soldados eram fáceis de reconhecer, por causa dos uniformes, dos saiotes esquisitos,
com tiras de couro a cobrir as pernas peludas; mas o romano comum era mais difícil
de identificar. No entanto, os adultos não tinham esse tipo de dificuldade. Um
romano!, sussurrou o seu pai, fazendo sinal para que ela se sentasse atrás dele
quando se aproximava um homem estranho. Embora a estrada estivesse cheia de
gente, Maria notou que ninguém passava próximo dele. Ao passar, ele pareceu
virar a cabeça na sua direcção, olhando-a com curiosidade. E ela devolveu-lhe o
olhar, com o seu rosto meigo. Como é que o senhor sabia que era um romano?,
perguntou, curiosa, ao seu pai. Pelo cabelo, explicou-lhe. E por ter a barba
tão bem-feita. De facto, a túnica e as sandálias poderiam pertencer a um grego
ou a qualquer outro estrangeiro. E também pelo olhar deles, disse a sua mãe, de
repente. É o olhar de alguém que pensa possuir tudo o que vê». In
Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições
Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
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