«(…)
Estava agora num local temível e ia pronunciar o Seu nome, o nome de Deus. Finalmente,
ia saber quem Ele era, finalmente ia vê-Lo. Avancei para o Propiciatório onde
estavam as cinzas da novilha vermelha. Peguei no archote e, seguindo a Lei, acendi
o altar para nele dispersar os restos do animal sacrificado. E, diante de mim,
os sacerdotes desfilavam, uma após outro, cada um de acordo com a sua importância,
seguidos pelos levitas e pelos samaritanos, com o seu chefe, um após outro, para
que se conhecessem todos os homens de Israel, cada um ocupando o posto de acordo
com a sua posição na Comunidade de Deus. As letras ali estavam, diante de mim, à
espera de serem pronunciadas. Os Essénios esperavam que eu as dissesse, que eu pronunciasse
o nome de Deus. Então invoquei, uma a uma, as letras supremas. Pronunciei o Yod,
a letra do início, o He, letra do sopro da criação, pronunciei... E voltei-me e
vi Jane, a mulher que amava, ali, atrás de mim. Os seus olhos imploravam e suplicavam-me
que não o pronunciasse. Eu, que só tinha olhos para ela, pronunciei o seu nome.
No dia seguinte... Como poderei
evocar esse momento sem que o meu coração dispare numa nostalgia imensa e se
aperte ao evocar essa recordação? Oh!, como desejaria, só pelo pensamento, poder
ser transportado para essa época fatídica, determinante, infinitamente próxima e
agora tão longínqua! Como desejaria poder dizer: eis o que foram os meus actos,
ontem e hoje, pois permaneci fiel ao instante da minha promessa. No dia seguinte,
digo-vos, os sinos anunciavam o despertar da manhã em Jerusalém. Pouco depois, o
canto mais abafado do muezzin fez-lhe eco. Uma brisa ligeira chegava
pela janela entreaberta do quarto do hotel. Diante de mim, o monte Séon despertava
na bruma matinal, sob uma luz rósea. Acabara de viver a experiência mais
incrível, mais sobrenatural, mais perturbadora, mais real e irreal. Era uma morte,
um nascimento, era um casamento, sim, era isso tudo ao mesmo tempo. Uma comunhão,
um abandono de todos os princípios e de todas as contingências, uma perda de si
mesmo, num grande reconhecimento.
Ó meus amigos, ó vós que me seguis,
ó vós que sabeis: como vos dizer? Como encontrar as palavras para exprimir o que
sentia? Nunca conhecera uma tal força, uma tal intensidade, uma tal alegria e unidade,
nunca me fora dado contemplar uma tal beleza, uma tal imensidade e grandeza,
sublime por entre todas, real e irreal, terrestre e supra-humana, antiga e actual,
evanescente e eterna, profunda e celeste, imensa e minúscula, vulgar e extraordinária.
Como dizer? Como o compreender? O meu coração transbordava tanto de alegria que
sofria na minha carne. Ansiara tanto, sonhara tanto, esperara tanto, armara-me de
tanta paciência, esperara toda a minha vida e, não obstante, que espanto, que
surpresa, ó meus amigos!
Ao pronunciar o seu nome a beleza
inefável abriu-se a mim, sob a forma da evidência. A revelação suprema ocorreu diante
dos meus olhos, jorrando como uma luz louca de raios ofuscantes. Foi um instante
de pura verdade, um desses momentos superiores em que sabemos porque vivemos, porque
existe o mundo. De repente, estava longamente unido, tão extensamente unido que
já não sabia quem era. Eu, que pensava ser apenas um para sempre, eu, que quase
desesperara, subitamente sentia-me um pela carne. Ó Deus! Já não era soldado, já
não era hasside, já não era Essénio, já não era detective. Era só Ary. Oh vós,
amigos que me escutais, ouvi o seguinte: não sou Ary, o escriba. Sou o homem da
paz da tarde e da bruma das manhãs. Sou o outro, o da noite». In
Eliette Abécassis, A Última Tribo, 2004, Editora Livros do Brasil, colecção
Suores Frios, 2005, ISBN 972-382-763-8.
Cortesia ELBrasil/JDACT