sábado, 25 de novembro de 2017

A Profecia de Istambul. Alberto S Santos. «Mas o povo não duvidava da sua fama de santo, de asceta e de conhecedor dos muitos segredos antigos do Universo»

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O Pacto de Melchior. … cerca de 250 anos depois; Março de 1554
«(…) A casa de madeira do velho eremita, um autêntico pardieiro, era despojada de comodidades. Junto à porta dos fundos, sobre uma pedra rectangular, alguma cinza e utensílios pretos de fumo denunciavam a cozinha ou o que mais se lhe aparentava. Não se lobrigava local onde pudesse guardar víveres ou quaisquer haveres pessoais, nomeadamente o vestuário. À entrada, encontrava-se uma decrépita mesa e respectivo banco de madeira. Junto à lareira, via-se, sobre um móvel enegrecido, um castiçal de estanho, um crânio semidesdentado, um perfumador de cobre e uma garrafa meio cheia, cujo material de que era feita se não descortinava de tão enegrecida, à semelhança dos outros imperpcetíveis objectos. O odor longínquo de um perfume exótico misturado com incenso denunciava que o carvão ardera recentemente no perfumador. Cochichava-se, em Córdova, que Melchior nascera árabe, no último reino nazarí de Granada, antes de ser banido pelos Reis Católicos, em 1492, e ninguém afirmava com absoluta certeza que a sua conversão ao cristianismo fosse sincera. Mas o povo não duvidava da sua fama de santo, de asceta e de conhecedor dos muitos segredos antigos do Universo. O velho eremita puxou a mesa para o centro do tugúrio e mandou-os esperar de pé, sem qualquer explicação, saindo pela porta dos fundos. Voltou com um toro de madeira, que colocou junto à mesa, para servir de assento aos hóspedes, e dirigiu-se novamente para a porta. Precisas de ajuda?, perguntou Jaime, incomodado por não auxiliar o ancião.
Não, meu filho, obrigado! Tenho tão pouco que fazer por estes lados que esta é uma boa oportunidade para me exercitar. Os três sorriram, muito embora a idade não parecesse, naquele momento, pesar nas forças e desenvoltura do delgado eremita. Depois de colocar os três assentos, perguntou: então, contem-me lá essa história! Porque decidiram tornar-se irmãos de sangue?! Jaime pegou na palavra para narrar a saga que os levou à decisão: todos nós temos algo em comum: somos órfãos de pai ou de mãe. Tirando Fernando del Pozo, que tem um irmão mais velho a estudar para ser padre, nenhum de nós tem outros irmãos. Assim, decidimos tornar-nos irmãos uns dos outros, informou com avidez, enquanto os demais assentiam com a cabeça. Somos muito amigos e queremos fazer perdurar esta amizade durante toda a vida..., corroborou Simão, com uma leve acentuação de tristeza.
Sabe, este nosso amigo vai viajar para Portugal e não sabemos quando voltaremos a ver-nos. Fernando del Pozo apontara para Simão, enquanto continuava a animada explicação. Também Jaime vai estudar para Salamanca. Mas queremos, quando formos mais velhos, voltar a encontrar-nos. E, para o caso de precisarmos uns dos outros, independentemente dos caminhos que viermos a seguir, decidimos jurar que nos obrigaremos a auxiliar aquele de nós que estiver em necessidade. Muito bem!, replicou o ermitão, com ar simpático e desanuviado. Acho que me convenceram. É uma boa razão para serem irmãos de sangue. Mas digam-me cá uma coisa: acaso tendes ideia do ritual a que vos irei sujeitar?, perguntou, num tom insondável. Os três amigos acenaram ao mesmo tempo, confirmando o que Simão já lhes contara. Bom... Então, vamos a isso! Têm de voltar a casa, antes de o sol se pôr!
O ermitão saiu novamente pela porta dos fundos e, volvidos alguns minutos, retornou com um livro de aspecto muito antigo, com caracteres árabes na capa. Que estranho livro é esse?! Melchior olhou profundamente para Jaime, o autor da pergunta. Prometem guardar um segredo? Os irmãos de sangue, a primeira coisa que devem saber, é guardar um segredo... Nós vamos guardá-lo!!!, responderam os três, ao mesmo tempo. Desde já vos digo que, se não o souberem preservar, poderão correr risco de vida. Por isso, é bom que saibam guardar este vosso primeiro segredo... Os rapazes voltaram a entreolhar-se e anuiram, corajosamente, com a cabeça. Este é um de sete volumes cujos originais foram escritos em Damasco, nos primeiros anos da chegada dos árabes a esta terra, por um sábio iemenita, chamado Alhazred. Chama-se Al Azif, um termo árabe que designa o ruído que fazem os insectos, no silêncio da noite. Por isso, há quem o traduza por O murmúrio dos demónios. Todos abriram a boca, num misto de espanto, ansiedade e temor». In Alberto S. Santos, A Profecia de Istambul, Porto Editora, 2010, ISBN 978-972-004-103-6.

Cortesia de PEditora/JDACT