sexta-feira, 10 de novembro de 2017

A Verdadeira História. Margaret George. «Maria gostaria de poder estudar essa lei judaica na pequena escola anexa à sinagoga, a beth ha-sefer, e ver por si própria…»


jdact

A Mulher que Amou Jesus
«(…) Um vento leste bateu nas águas do lago, fazendo tremer a sua superfície; ela observava as pequenas ondulações que, de facto, pareciam as cordas de uma harpa. O nome antigo, e poético, do lago era Quinerete, lago Harpa, devido ao seu formato e também devido aos desenhos do vento a bater na água. Maria quase conseguia ouvir o som agradável de cordas a serem tocadas, cantando para ela através das águas. Lá vêm eles! O pai de Maria gesticulava, mostrando-lhe que devia levar o burro para junto dos outros. Na estrada empoeirada, ela via uma grande caravana a aproximar-se. Além da massa de peregrinos, viam-se um ou dois camelos ao lado dos burros. Devem ter celebrado o Sabat até muito tarde, ontem, disse, maliciosamente, a mãe de Maria. Estava aborrecida; o atraso na partida era um transtorno. De que servia atrasar a partida para depois do Sabat se, de qualquer maneira, se perderia meio-dia? Nunca se começava uma viagem na véspera do Sabat, ou mesmo na antevéspera, se a viagem fosse longa. A lei judaica, que proibia caminhar mais que uma milha romana no dia do Sabat, significava que se perderia um dia de viagem. O Sabat é uma desculpa para perder tempo, disse, em voz alta, o irmão de Maria, Silvanus. Essa insistência no cumprimento estrito do Sabat prejudica-nos no comércio exterior; os gregos e os fenícios não descansam um único dos sete dias da semana! Sim, Samuel, nós sabemos das tuas simpatias pagãs, respondeu o outro irmão mais velho de Maria, Eli. Daqui a pouco vais-te pôr a correr nu pelo ginásio, com todos os teus amigos gregos. Silvanus, ou melhor Samuel, lançou-lhe apenas um olhar irado. Não tenho tempo para isso, disse, friamente. Estou muito ocupado a ajudar o pai com os negócios. Mas tu, com todo o tempo livre para estudar as escrituras e consultar rabinos, tens certamente tempo suficiente para ir ao ginásio ou a qualquer outro lugar de diversão que desejes.
Eli irritou-se, tal como Silvanus sabia que aconteceria. O mais novo tinha um temperamento fogoso, apesar dos seus esforços para aprender os caminhos e os porquês de Javé. Com o seu perfil delicado, o nariz aquilino e a aparência nobre, poderia passar por grego, pensou Silvanus. Ao passo que ele, quase dava uma gargalhada, parecia-se mais com aqueles estudiosos que passavam o dia curvados sobre a Tora na beth há-Midrash,  a Casa do Saber. Javé devia ter um sentido de humor enorme. O estudo da Tora é a coisa mais importante que um homem pode fazer, respondeu Eli, com firmeza. Preenche o lugar de qualquer outra actividade de natureza moral. Sim, e, no teu caso, exclui qualquer outra actividade que seja. Eli resmungou e afastou-se, puxando o burro e voltando as costas para Silvanus, que se limitou a rir. Maria já se tinha habituado a ouvir aquelas discussões, sob as mais diversas formas, entre os seus irmãos de vinte e um e dezoito anos. Nunca chegavam a conclusão alguma e nunca as aprofundavam. A sua família era profundamente religiosa e cumpria todos os rituais e obrigações; só Silvanus demonstrava impaciência para com o que o seu pai chamava a perfeita Lei do Senhor.
Maria gostaria de poder estudar essa lei judaica na pequena escola anexa à sinagoga, a beth ha-sefer, e ver por si própria. Ou então roubar os conhecimentos que Silvanus adquirira ao estudar a Tora, já que não os parecia querer. Mas não era permitido às raparigas frequentarem a escola, pois não podiam ocupar funções oficiais na religião. O seu pai repetia, com firmeza, as exigências do rabino: seria preferível ver a Tora queimada do que ouvi-la dos lábios de uma mulher. Devias aprender grego, para poderes ler A Ilíada, sugerira uma vez Silvanus, com uma risada. Eli, naturalmente, opusera-se, explodindo. Mas Silvanus insistira: se é proibido a alguém conhecer a sua própria literatura e ciência, não se verá essa pessoa forçada a procurar outras? Silvanus tinha razão; os gregos eram abertos a que outros conhecessem a sua cultura, enquanto que os judeus guardavam a sua como um segredo. Cada uma das atitudes resultava de pensarem que a sua era uma cultura superior: os gregos achavam que uma pitada de cultura grega conquistaria, imediatamente, qualquer pessoa, enquanto que os judeus entendiam que a sua era tão preciosa que seria profanada caso fosse oferecida a qualquer um. Isso, naturalmente, aumentava a curiosidade de Maria em relação a ambas. Iria aprender a ler, disse a si própria, e depois iria descobrir sozinha a magia e os mistérios das Sagradas Escrituras». In Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.

Cortesia de SdeEmergência/JDACT