A
Mulher que Amou Jesus
«(…) E abanou a cabeça. Ouvi até dizer
que os samaritanos ainda têm ídolos. Já não tão expostos, claro, nem ao longo da
estrada, mas... Que tipo de ídolos? Eu nunca vi um ídolo!, quis saber Maria. E
espero que nunca vejas! Mas como é que vou saber que é um ídolo quando vir um? Vais
saber, respondeu o seu pai. E deves afastar-te dele! Mas... Basta! Por enquanto
Maria lembrar-se-ia disso, mas a curiosidade que antes tinha por Jerusalém desaparecera
devido ao sonho ainda tão presente nela, no escuro. Ocupada com as preparações finais
para a viagem, a mãe de Maria, Zebida, interrompeu, de repente, o que fazia para
encher de cereais as sacolas de viagem, e inclinou-se para a filha. Não mencionou
o sonho. Mas disse: bem, quanto à viagem, não deves misturar-te com as outras famílias
que também vão, à excepção daquelas que eu disser que são aceitáveis. Tanta gente
que não cumpre a Lei e que só quer ir a Jerusalém, e mesmo ao Templo! Como se fosse
uma espécie de passeio! Mantém-te junto das famílias praticantes da fé. Entendeste?
Olhou Maria de uma maneira dura. Nesse instante, o seu belo rosto não era belo,
mas proibitivo. Sim, mãe, disse. Nós seguimos a Lei com rigor e é assim que deve
ser, continuou a sua mãe. Os outros..., os pecadores, que cuidem de si. Não cabe
a nós salvá-los dos seus pecados. Pois ao nos misturarmos com eles, seremos contaminados.
Como misturar leite com carne?, perguntou Maria. Sabia dessa proibição absoluta,
tanto que qualquer coisa originária de ambos tinha de se manter separada. Exactamente,
respondeu a mãe. E pior ainda, pois a sua influência não desaparece depois de um
ou dois dias, como a do leite e a da carne. Fica dentro de nós, a corromper e a
corromper.
Estavam todos prontos. As seis famílias
que iriam viajar juntas esperavam, na estrada a seguir a Magdala, com os burros
carregados e de trouxa às costas, pelos grupos maiores das cidades vizinhas, que
se juntariam àquelas para a viagem a Jerusalém. Maria ia montada num burro: como
era a mais nova dos viajantes, não tinha resistência para caminhar longas distâncias.
Talvez no regresso estivesse tão forte que nem precisasse sequer de montar. Era
isso que esperava. Começara a estação seca e Maria já sentia, no rosto, o calor
do sol. Este encontrava-se, brônzeo, sobre o mar da Galileia, de onde inicialmente
nascera, por detrás das montanhas. De madrugada, as montanhas do outro lado do lago
tinham a cor de uvas maduras; agora, ganhavam a sua cor verdadeira, de terra e pedra.
Eram nuas e, ao olhá-las, Maria achou-as maléficas. Mas talvez isso fosse porque
a terra dos antigos amonitas tinha má reputação, como velhos inimigos de Israel.
O que teriam os amonitas feito de tão mau? O rei David tivera problemas com eles.
Mas a verdade é que tivera problemas com toda gente. E também havia aquele deus
maldito que eles adoravam. Maria não conseguia lembrar-se do seu nome. Obrigava
os amonitas a sacrificarem os seus filhos, queimando-os. Mo... Mol... Moloc. Era
esse o nome dele. Levantou a mão e pestanejou enquanto olhava para o outro lado
do lago. De onde se encontrava não dava para ver nenhum templo de Moloc. Sentiu
um arrepio, mesmo sob o sol quente. Não vou pensar mais em Moloc, disse, com firmeza,
para si própria. O lago, brilhando ao sol, pareceu concordar. Estava bonito demais,
com as suas águas azuis, para ser manchado pelos pensamentos de uma divindade sangrenta;
Maria acreditava firmemente que deveria ser o lugar mais bonito de Israel. Dissessem
o que dissessem sobre Jerusalém, como poderia alguma coisa ser mais bonita do que
aquele oval reservatório de água, de um azul brilhante, cercado pelas montanhas
que o protegiam? Via os barcos de pesca, lá longe, sobre as águas; eram muitos.
E era por causa do peixe que a sua cidade de Magdala era famosa, peixe que era
salgado, arranjado, negociado e enviado para o mundo inteiro. O peixe de Magdala
estava presente nas mesas de Damasco e de Alexandria. E em sua casa, pois Natan,
o seu pai, era exímio a arranjar o peixe que armazenava no armazém, e o seu irmão
mais velho, Samuel, que, enquanto comerciante, adoptara o nome grego de Silvanus,
era o gerente comercial, tratava das vendas tanto com a população local como
com os estrangeiros. Portanto, aquele enorme mosaico com um peixe e um barco de
pesca, que decorava o hall de entrada, representava a fonte de riqueza da família.
Todos os dias, ao passar por ele, lembravam-se de agradecer pela sua boa sorte e
pela imensidão dos peixes de Deus existentes no seu mar». In Margaret George, A Paixão de
Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN
972-883-911-1.
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