Antero
de Quental ou o Mestre Metafísico
«(…) Ou ainda neste soneto,
datado de 1872 e igualmente inserido
posteriormente nos Sonetos Completos. O título, Mais luz!,
sendo uma referência evidente às últimas palavras que se supõe ter
pronunciado Goethe antes de morrer, confirma a influência predominante da
cultura romântica alemã em Antero:
«Amem a noite os
magros crapulosos,
e os que sonham
com virgens impossíveis,
e os que se
inclinam, mudos e impassíveis,
à borda dos
abismos silenciosos...
Tu, Lua, com
teus raios vaporosos,
cobre-os,
tapa-os e torna-os insensíveis,
tanto aos vícios
cruéis e inextinguíveis,
como aos longos
cuidados dolorosos!
Eu amarei a
santa madrugada,
e o meio-dia, em
vida refervendo,
e a tarde
rumorosa e repousada.
Viva e trabalhe
em plena luz: depois,
seja-me dado
ainda ver, morrendo,
o claro Sol,
amigo dos heróis!»
Esta forma de romantismo, em
especial a influência de Heine e uma outra que se lhe sobrepõe em alguns poemas,
a de Baudelaire, vai notar-se ainda mais nas Primaveras românticas (1872), da mesma maneira que as teorias
filosóficas básicas de Hegel, já evidentes em textos como Tese e antítese,
se manifestam ao longo de todo o volume dos Sonetos Completos,
publicado em 1885. Entretanto, esta
poesia moderna que para Antero é a voz da Revolução, sendo essa voz não
só a mais alta mas também a mais poética, fere os sentidos poéticos
do pontífice máximo das letras da
Coimbra de então, António Feliciano Castilho, mentor dos ultra-românticos.
Tendo Castilho condenado formalmente os livros de Teófilo Braga e de Antero, o poeta
das Odes Modernas lança-se numa polémica que ficou famosa com a
publicação do opúsculo Bom senso e bom gosto, em 1865.
Para citar ainda Eça a propósito
de Antero, o protesto do poeta açoriano foi
moral, não literário, um desforço da
Consciência e da Liberdade, contra o déspota
do purismo e do léxicon. Pouco depois da publicação do folheto Bom
senso e bom gosto, tendo-se formado em Direito, Antero, nada feito para
estas polémicas meramente literárias, deixa Coimbra. Andava então ansiosamente procurando um emprego para a
sua grande alma. E julgou encontrá-lo numa aprendizagem da vida de
operário, num contacto directo com a realidade social, tendo primeiro trabalhado
alguns meses nas oficinas da Imprensa Nacional e partindo depois, em fins de 1866, para Paris. Segundo António
Sérgio, Antero escrevia a um amigo na véspera de partir: eu, por mim, vou mais com o ânimo sossegado de quem cumpre um dever do
que com o coração alegre de quem segue uma esperança. Cumprir um dever foi para Antero, em Paris, trabalhar como
tipógrafo e contactar directamente com um clima revolucionário em que as ideias
se punham em prática, preparando a Comuna.
Mas, porque as ideias em Antero
sempre suplantaram a prática, e porque o exílio, ainda que voluntário, não era
nada propício ao seu temperamento nevrótico, a experiência de Paris e da vida
dura do operário anónimo não durou mais que alguns meses. Em Agosto de 1867, Antero regressou a Lisboa e de
Lisboa partiu para os Açores. Segue-se um período de funda depressão a que não será
estranha a consciência de não poder conciliar pensamento e acção. Antero viaja
até à América e, em fins de 1868,
novamente em Lisboa, recomeça as tentativas de acção doutrinária. Ainda segundo
Eça, tendo desembarcado em Lisboa como um
apóstolo do Socialismo, Antero apareceu no Cenáculo da Travessa do
Guarda-Mor numa fria manhã, e foi aclamado. Assim nasceram, no Cenáculo e sob a
influência de Antero, que levava Eça e os seus companheiros a estudar Proudhon
noite fora, as célebres Conferências do Casino, momento
culminante da revolução cultural da Geração de 70. Além da preparação
das Conferências, Antero lançava-se numa actividade política intensa: em
colaboração com José Fontana, funda a Associação Fraternidade Operária,
que representa em Portugal a I
Internacional Operária; funda e dirige o jornal O Pensamento
Social; luta pela separação socialistas-republicanos.
Mas,
a par de tudo isto, deve notar-se a publicação de textos dessa época que nada
têm a ver com o militantismo, e que reflectem bem as contradições de Antero ao
longo de toda a sua vida. Refiro-me às pouco conhecidas poesias de Carlos
Fradique Mendes, pseudónimo (ou melhor, verdadeiro heterónimo prépessoano) inventado
por Antero e Eça. A primeira dessas poesias foi publicada no folhetim de A
Revolução de Setembro de 29 de Agosto de 1869 e, como já foi provado, é sem dúvida da autoria de Antero.
Note-se sobretudo o primeiro dos quatro Poemas do Macadam, atribuido
por Antero a Fradique Mendes, dedicado a Baudelaire e publicado no Primeiro
de Janeiro de 5 de Dezembro de 1869 (depois incluso na edição de 1943 das Primaveras Românticas). Eis como Antero,
apresentando-o, define o satanismo». In Álvaro Manuel Machado, A Geração
de 70 - Uma Revolução Cultural e Literária, Instituto de Cultura e Língua
Portuguesa, Centro Virtual Camões, Instituto Camões, Livraria Bertrand, 1986.
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