«O Khamseen soprava havia cinco dias. As nuvens de poeira rolavam até eles
pela extensão intimidante do deserto. Hector Cross usava um lenço listrado, um keffiyeh
ao redor do pescoço e óculos protectores. A barba rala e escura protegia a
maior parte do rosto, mas a sensação nas áreas expostas era de que a pele fora
lixada pelos grãos abrasivos de areia até ficar em carne viva. Mesmo com o
rugido do vento, ele foi capaz de escutar a batida pulsante do helicóptero que
se aproximava. Ele sabia, mesmo sem olhar, que nenhum dos homens ao seu redor
havia escutado ainda. Seria constrangedor se ele não tivesse sido o primeiro.
Embora fosse dez anos mais velho do que a maioria dos demais, ele tinha de, na
posição de líder, ser o mais rápido e perspicaz. Então, Uthmann Waddah fez um
movimento ligeiro e o encarou. Hector assentiu com a cabeça de forma quase imperceptível.
Uthmann era um dos seus agentes de maior confiança. A amizade dos dois datava
de vários anos, desde que Uthmann havia tirado Hector de um veículo em chamas
sob uma chuva de tiros em numa rua de Bagdá. Na ocasião, o facto de Uthmann ser
muçulmano sunita deixara Hector desconfiado, mas com o tempo ele provou o seu
valor. Agora, era indispensável. Entre outras virtudes, ensinara Hector a falar
árabe de maneira quase perfeita. Seria necessário um interrogador qualificado
para notar que Hector não era um falante nativo. Devido a alguma ilusão de óptica
causada pela luz do sol, a silhueta monstruosamente distorcida do helicóptero
lançava-se contra a faixa de nuvens como num show de lanterna mágica, de maneira que, quando o MIL-26 russo,
pintado nas cores branca e vermelha da Bannock Oil, surgiu por entre elas,
pareceu insignificante, tornando-se visível apenas
quando estava a cerca de noventa metros do heliporto. Devido à importância da única
passageira, Hector havia contactado o piloto pelo rádio antes da decolagem em
Sidi el Razig, a base de operações da empresa no ponto terminal do oleoduto na
costa, ordenando que não voasse em tais condições. A mulher havia desobedecido
ao seu comando e Hector não estava acostumado a ser contrariado. Embora não se
conhecessem pessoalmente ainda, o relacionamento entre ele e a mulher era
delicado. Na prática, Hector não era empregado dela. Era o único dono da Cross
Bow Segurança Limitada. Porém, a empresa era contratada da Bannock Oil para
proteger os seus funcionários e as suas instalações. O velho Henry Bannock
havia escolhido Hector a dedo entre várias firmas de segurança ávidas para lhe
fornecer os seus serviços. O helicóptero pousou delicadamente na pista, e
quando a porta da fuselagem se abriu, Hector caminhou ao encontro da mulher
pela primeira vez. Ela surgiu na porta, parando para olhar em volta, o que fez
Hector pensar num leopardo equilibrando-se num ramo no alto de uma árvore
Marula, inspeccionando a presa antes de saltar. Embora achasse que a conhecia
bem pelo que ouvira falar, em carne e osso ela parecia imbuída de tal poder e
graciosidade que ele acabou tomado pela surpresa. Como parte de sua pesquisa,
havia estudado centenas de fotos, lido páginas e páginas e assistido a várias
horas de filmagem sobre ela. As imagens mais antigas
mostravam-na na quadra central de Wimbledon, sendo derrotada por Navratilova numa
partida de quartos de final disputadíssima, ou três anos mais tarde, recebendo
o troféu pela conquista do torneio feminino do Open da Austrália em Melbourne. Em seguida, um ano depois, viria o casamento
com Henry Bannock, chefe da Bannock Oil, um magnata bilionário trinta anos mais
velho. Depois, cenas dela e do marido conversando e rindo com chefes de Estado
ou estrelas de cinema e outras personalidades do meio artístico; caçando faisões
em Sandringham como convidados da rainha da Inglaterra e do príncipe Philip, ou
passando férias no Caribe no iate do casal, o Golfinho Amoroso. Em seguida, recortes dela sentada ao
lado do marido na reunião anual da empresa; outros, dela lidando habilmente com
as perguntas de Larry King no seu programa de entrevistas. Muito tempo depois,
ela vestida em trajes de viúva e segurando a mão da filha, uma jovem
encantadora, enquanto assistiam ao sarcófago de Henry Bannock ser instalado no
mausoléu do rancho da família nas montanhas do Colorado. Depois disso, a
batalha dela com os bancos e accionistas, e com o enteado, particularmente malévolo,
fora narrada com entusiasmo pela comunicação social de negócios do mundo todo.
Quando finalmente conseguiu arrancar os direitos
herdados de Henry das mãos ambiciosas do enteado e assumiu o lugar do marido à
frente da empresa Bannock Oil, as acções em bolsa haviam desvalorizado
drasticamente. Os investidores evaporaram, a fonte dos empréstimos bancários
secou. Ninguém queria apostar numa antiga tenista e alpinista social glamorosa transformada
em baronesa do petróleo. Mas eles não haviam levado em conta o seu tino natural
para os negócios e os anos de tutelagem sob as asas de Henry Bannock, que
valiam por cem diplomas de MBA. Assim como as multidões nas arenas romanas, os seus
detratores e críticos aguardaram com uma ansiedade medonha a mulher ser
devorada pelos leões. Então, para o desgosto de todos, ela veio com o terminal
Zara número oito». In Wilbur Smith, Em Alto Mar, 2011, Editora Planeta Brasil, 2012, ISBN
978-857-665-880-1.
Cortesia de EPlaneta/JDACT