«As duas primeiras décadas do
século XX constituem uma fase da poesia brasileira que não recebeu um
tratamento adequado por parte da historiografia a princípio por ser recente e,
depois, por ser analisada à luz do movimento modernista, cujo início ficou
convencionalmente associado à realização da Semana de Arte Moderna de 1922. Pretende-se com este artigo
evidenciar, mediante sínteses das obras dos principais historiadores, o facto
de que o assim chamado pré-modernismo
mereceria ser compreendido na sua autonomia, desvinculado da dependência diante
do modernismo.
A Pequena história da literatura
brasileira (1919), de Ronald Carvalho, foi a primeira obra historiográfica
a incorporar a poesia decadentista/simbolista, a mais recente novidade
estética, e seus desdobramentos no começo do século XX. Após tratar das obras
de Cruz Sousa e B. Lopes, o historiador citou poetas contemporâneos igualmente orientados
pela inclinação geral mística e simbólica que se notava nesses dois autores. Do
grupo formado por Emílio Meneses, Félix Pacheco, Alphonsus Guimaraens, Silveira
Neto e Mário Pederneiras, atribuiu maior importância a este último, que, ao
publicar Histórias do meu casal (1906), revelara-se um dos mais doces e emotivos poetas contemporâneos.
De simplicidade inusitada, a poesia de Pederneiras exercia segura influência sobre grande parte dos poetas modernos (mas ainda
não modernistas) graças ao hábil emprego do metro
livre e à temática associada à vida doméstica e ao espaço urbano e natural
do Rio de Janeiro.
Na sua História da literatura
brasileira (1955), António Soares Amora designou o período de 1890 a
1920 de Época do simbolismo, quando se superava o materialismo e o
positivismo pela via do espiritualismo católico ou cabalístico e esotérico,
fundado no metapsiquismo (Teosofia, Espiritismo, Ocultismo). Tendo
reunido sob uma denominação geral poetas muito diferentes entre si, Amora
acabou por distribuí-los em dois grupos distintos: os simbolistas de vanguarda
e os comedidos. Ao primeiro grupo pertenceriam Cruz Sousa, Alphonsus Guimaraens,
Augusto Anjos, B. Lopes e Emiliano Perneta, entre outros; destacar-se-iam no
segundo Vicente Carvalho, Goulart Andrade, Hermes Fontes, Martins Fontes e Olegário
Mariano. Note-se que os comedidos seriam, a rigor, neoparnasianos que
eventualmente assimilaram elementos do decadentismo/simbolismo. Observe-se
ainda que Amora vinculou praticamente toda a poesia do período ao simbolismo.
Ao recolher em livro artigos
publicados na imprensa nos anos de 1919 e 1920, Tristão Ataíde (pseudónimo
de Alceu Amoroso Lima) reuniu-os sob a epígrafe O pré-modernismo, nome
do primeiro volume da obra Contribuição à história do modernismo (1939), que,
afinal, não teve continuidade. Para o autor, as suas crónicas representariam um
momento de alvoroço intelectual, marcado pelo fim da grande guerra e, entre
nós, por toda uma ansiedade de renovação intelectual, que alguns anos mais
tarde redundaria no movimento modernista. Sem distinções estéticas claras,
Ataíde reuniu resenhas das obras mais relevantes publicadas naqueles anos,
contemplando autores como Bilac, Coelho Neto e Monteiro Lobato. Coube a Tristão
Ataíde o mérito de criar o termo, pré-modernismo, que seria estendido a todo o período
de 1900 a 1922.
No ensaio Simbolismo, impressionismo, modernismo, incorporado à obra
colectiva A literatura no Brasil (1959), Afrânio Coutinho distinguiu no período
de 1910 a 1920 uma fase de transição e sincretismo, anunciadora do modernismo.
Esse período incaracterístico reuniria em graus variados elementos parnasianos,
decadentistas, simbolistas e impressionistas. O impressionismo, novidade
estética, propunha o registo da impressão que a realidade provoca no
espírito do artista, no momento mesmo em que se dá a impressão. Como poetas
representativos dessa fase, Coutinho mencionou Augusto Anjos, José Albano, Raul
Leoni e Hermes Fontes.
No
ensaio Literatura e cultura de 1900 a 1945, escrito na primeira metade da
década de 1950 e publicado em volume de 1965, Antonio Candido denominou a literatura
produzida de 1900 a 1922 literatura de permanência, pois teria apenas
preservado e elaborado os traços desenvolvidos
depois do Romantismo, sem dar origem a desenvolvimentos novos. Parte dessa
literatura satisfeita, […] sem rebelião nem
abismos, a poesia parnasiana apegou-se a fórmulas e logomaquia, agravando sua tendência para a retórica e
deixando de lado o paradoxal mas salutar romantismo dos principais parnasianos.
Candido reconheceu no simbolismo desenvolvimento mais original, mas limitado às
obras de Cruz Sousa, falecido em 1898,
e Alphonsus Guimaraens, que se isolou em Minas Gerais. Para o crítico, o idealismo
simbolista acabou por dissolver-se no penumbrismo
vers-libriste e não passou de uma solução literária e ideológica frágil e
pouco construtiva; seria necessário, é claro, esperar pelos modernistas.
Augusto Anjos, voz dissonante, não teria servido de estímulo para a criação, pois
seus contemporâneos não encontraram em sua poesia nada além do desequilibrado verbalismo». In Álvaro Simões Júnior, A Poesia da
Belle Époque na Historiografia (1900 1922) LusoSofia press, A Belle Époque
Brasileira, CLEPUL, Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias,
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012, ISBN
978-989-8577-15-3.
Cortesia de
CLEPUL/JDACT