«Amo-te
muito, meu amor, e tanto
que, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda
depois de ter, meu amor. Não finda
com o próprio amor o amor de teu encanto.
que, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda
depois de ter, meu amor. Não finda
com o próprio amor o amor de teu encanto.
Que
encanto é o teu? Se continua enquanto
sofro a traição dos que, viscosos, prendem,
por uma paz de guerra a que se vendem,
a pura liberdade do meu canto,
sofro a traição dos que, viscosos, prendem,
por uma paz de guerra a que se vendem,
a pura liberdade do meu canto,
um
cântico da terra e do seu povo,
nesta invenção da humanidade inteira
que a cada instante há que inventar de novo,
nesta invenção da humanidade inteira
que a cada instante há que inventar de novo,
tão quase
é coisa ou sucessão que passa…
Que encanto é o teu? Deitado à tua beira,
sei que se rasga, eterno, o véu da Graça»
Que encanto é o teu? Deitado à tua beira,
sei que se rasga, eterno, o véu da Graça»
22 de Fevereiro de 1954
«Rígidos
seio de redondas, brancas,
frágeis e frescas inserções macias,
cinturas, coxas rodeando as ancas
em que se esconde o corredor dos dias;
frágeis e frescas inserções macias,
cinturas, coxas rodeando as ancas
em que se esconde o corredor dos dias;
torsos de
finas, penugentas, frias,
enxutas linhas que nos rins se prendem,
sexos, testículos, que inertes pendem
de hirsutas liras, longas e vazias
enxutas linhas que nos rins se prendem,
sexos, testículos, que inertes pendem
de hirsutas liras, longas e vazias
da
crepitante música tangida,
húmida e tersa, na sangrenta lida
que a inflamada ponta penetrante trila;
húmida e tersa, na sangrenta lida
que a inflamada ponta penetrante trila;
dedos e
nádegas, e pernas, e dentes.
Assim, no jeito infiel de adolescentes,
a carne espera, incerta, mas tranquila».
Assim, no jeito infiel de adolescentes,
a carne espera, incerta, mas tranquila».
27 de
Fevereiro de 1954
«Quem diz de amor fazer que os actos não são belos
que sabe ou sonha de beleza? Quem
que sabe ou sonha de beleza? Quem
sente que
suja ou é sujado por faze-los
que goza de si mesmo e com alguém?
que goza de si mesmo e com alguém?
Só não é
belo o que não deseja
ou que nosso desejo mal responde.
E suja ou é sujado que não seja
feito do ardor que se não nega ou esconde.
ou que nosso desejo mal responde.
E suja ou é sujado que não seja
feito do ardor que se não nega ou esconde.
Que
gestos há mais belos que os do sexo?
Que corpo belo é menos belo em movimento?
E que mover-se um corpo no de um outro o amplexo
não é dos corpos o mais puro intento?
Que corpo belo é menos belo em movimento?
E que mover-se um corpo no de um outro o amplexo
não é dos corpos o mais puro intento?
Olhos se
fechem não para não ver
mas para o corpo ver o que eles não,
e no silêncio se ouça só o ranger
da carne que é da carne a só razão».
mas para o corpo ver o que eles não,
e no silêncio se ouça só o ranger
da carne que é da carne a só razão».
Janeiro
1971
«Não sei
amor, se dado nos será
de
envelhecer. Será que um de nós morrerá
quando
formos tão velhos que para o outro
não faz
diferença nenhuma que aquele morra
(na
velhice se vive na memória vaga)?
Será que
tantos anos de amargura,
suspeitas,
frustrações, raivas e ódios,
tudo
isso, tempestade, de que é feito o amor
que os
burros não entendem, nos serão
acrescentados
desse sonhar juntos
em
silêncio, num sorriso (que se esquece
e mesmo
nos lábios se ignora)?
Uma
velhice que foi vida e será vida
porque
foi vida com que nos comemos
quotidianamente
um ao outro
vorazes
como peixes no aquário
de vidro
inamovível, tão opaco,
translúcido
às vezes, transparente sempre,
que é o
amor?»
11 de Junho de 1971
Poemas de Jorge de Sena, ‘Poemas de Amor’
JDACT