«(…) No meio dessas mudanças ocorridas
na modernidade, a própria experiência do homem frente ao mundo mudou, passando
a possuir um delineamento a partir das ciências da natureza, tendo como fonte o
conhecimento matemático e calculado. Esse novo proceder na experiência moderna,
cujo cálculo passou a ser uma ferramenta fundamental ao campo investigativo dos
fenómenos naturais, possibilitou que essa experiência pudesse ser apreendida e
reproduzida em condições previstas pelo próprio pesquisador, tornando-se assim
uma experiência previsível pela forma metodológica de seu procedimento. Tal
proceder guiou as ciências da natureza por seu tactear até atingir o modelo
para seu saber experimental válido. Assim, as ciências firmaram o seu modo
experimental como meio para atingir seu objecto (a natureza) e, como seu
senhor, juiz e inquiridor, estabelecer o que é a verdade em seu conhecimento. Com base nessa
experiência (ou experimentum), em que a matemática e a física
(matemática aplicada) estabeleceram-se como parâmetros formais para a verdade,
a filosofia tomou emprestado de tais ciências o seu método procedimental,
fixando procedimentos matemáticos como o seu próprio proceder. A matemática,
que constitui seus objectos numa universalidade formal, de um lado, passa então
a tornar-se parte integrante essencial do método filosófico, em que deveria
usar a forma de demonstração axiomática como forma ideal, na exposição de seus
objectos metafísicos (como o more geométrico do sistema espinosano); de
outro, exige o estabelecimento duma necessidade de elaboração epistémica que
pudesse sustentar e justificar os seus conhecimentos (matemáticos) sobre a
natureza (principalmente em Kant). Tal laboração seria a teoria do
conhecimento, para analisar criticamente a real capacidade de conhecimento
humano. Tal problema do conhecimento se tornou, pois, algo essencial na
modernidade.
Experiência
e o problema do conhecimento
A
filosofia moderna estabeleceu-se sobre uma posição epistémica segundo a qual o
conhecimento deveria ser investigado previamente, constituindo, segundo Hegel,
uma preocupação por um conhecimento acerca do próprio conhecer, antes de abordar a Coisa mesma (Sache selbst), ou seja, o
conhecimento efectivo do que é,
em verdade. Para tanto, estabelece propedêuticas e organa para um
conhecimento correcto do real. Tal procedimento conferiu de uma parte um
cuidado cartesiano com o exame do meio de conhecimento, ou mesmo ainda a
mediação crítica dos limites da faculdade de conhecer da ciência já
constituída. Com isso, nesse proceder, tem-se um saber prévio ao saber, como se
a capacidade de conhecer fosse um instrumento, logo se suspeita que a aplicação de um instrumento não deixe a Coisa
tal como é para si, traga conformação e alteração. Então, se se retirar do
conhecimento essa alteração, teria a coisa em sua verdade; mesmo assim,
ainda se estaria onde se começou, ou seja, possui-se
o conhecimento, mas não o teria, como se a capacidade de conhecer fosse um
recipiente vazio, em que o conhecimento fosse armazenado, igual a um pássaro
capturado numa gaiola. Outra forma seria um saber que se pergunta por um meio
passivo entre o sapiente e o que é sabido; um meio refractário que alteraria a
própria coisa (argumento físico que pode ser utilizado para explicar a
percepção sensível que se tem das coisas, a qual depende do meio físico em que
ela se mostra, assim, meios distintos alterariam as coisas, exemplo: um graveto
entre a água e o ar tem a aparência de estar quebrado). Para Hegel,
conhecer as leis que regem tal meio não nos garante o conhecimento da coisa,
mas apenas de um recipiente estático. Deste modo, se se descontar o meio pelas
leis da reflexão do raio, nada foi de facto conhecido. Em todos os casos, tanto
no primeiro, quanto no segundo, trata-se de uma abstracção do saber sobre si
mesmo, como se o Absoluto já não estivesse desde sempre próximo a nós, através
de um meio (Medium) para todo o conhecimento, o que constitui, de
facto, o que se denomina de Teoria do Conhecimento». In
Alexandre Moura Barbosa, Ciência e Experiência, Ensaio sobre a Fenomenologia do
espírito de Hegel, Editora Universitária, Edipucrs, Porto Alegre, 2010, ISBN
978-85-7430-970-5.
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