Nota
Prévia
«Começou a saber-se da existência
destas cartas de amor de Fernando Pessoa, logo menos de um ano depois da sua
morte, quando outro admirável poeta, Carlos Queiroz, seu devotado amigo e
companheiro, a elas se referiu no número 48
(Julho de 1936) da revista Presença
e delas aí publicou alguns significativos extractos. Tanto o artigo em que essa
reveladora referência era feita Carta
à Memória de Fernando Pessoa, como os próprios excertos então
divulgados, como ainda, a preceder um e outros, o texto de uma palestra lida
por Carlos Queiroz ao microfone da Emissora Nacional em 9 de Dezembro de
1935 (isto é: nove dias depois da
morte do autor da Mensagem) ver-se-iam imediatamente reunidos num folheto
intitulado Homenagem a Fernando Pessoa. Trata-se de um folheto, hoje
completamente inencontrável, de cerca de cinquenta páginas, com tiragem de quinhentos
exemplares e que foi publicado sob a chancela de Edições Presença. Composto e impresso em Agosto de 1936, nas oficinas da Atlântida, em Coimbra, nele se
reproduzia também o retrato à pena feito por Almada (que figurara já na capa do
citado número da revista Presença, e, em nota indicava-se que o produto da sua
venda se destinava a contribuir para a publicação da Obra de Fernando Pessoa.
Posteriormente, foi João Gaspar
Simões, no seu monumental e imprescindível estudo sobre a Vida e Obra de Fernando Pessoa (1950), quem primeiro
prestou a devida atenção àqueles extractos epistolares, quem primeiro intuiu a importância
de que eles se revestiam e quem primeiro, inclusivamente, revelou o nome próprio,
Ophélia,
da destinatária daquelas cartas. É certo que esse mesmo nome encabeçava, embora
com modernizada grafia, a dedicatória, que Carlos Queiroz antepusera ao seu
folheto de Homenagem a Fernando Pessoa À Ofélia, ao Pierre Hourcade e aos meus
amigos da Presença; e, se bem que, nos extractos epistolares então
vindos a lume, o nome da destinatária se encontrasse invariavelmente substituído
por três asteriscos, era desde logo tentadora, a relacionação com o nome
aparecido na mencionada dedicatória.
Seja como for, no mundo literário
da época, ninguém conhecia melhor do que Carlos Queiroz, não só a identidade,
mas também a figura humana e a personalidade da destinatária de tais cartas (e,
daí, o facto de ter podido revelar a sua existência,), pela simples razão de
que se tratava de uma sua tia materna,a Ex.ma Senhora dona Ophélia Queiroz, que
sempre se recusaria, ao longo de várias décadas de compreensível hesitação e de
não menos compreensível reserva, a autorizar a publicação integral desta
correspondência. Hoje, em virtude de um conjunto de circunstâncias e peripécias
que não são por enquanto de revelar, ou que talvez nunca se revelem
inteiramente, torna-se enfim possível a tão aguardada edição deste acervo documental
de primeiríssima importância.
Da
respectiva leitura e estabelecimento do texto se encarregou, por sua vez (e que
melhor homenagem se poderia render a quem primeiro se lhe referiu?), uma das
filhas do desaparecido poeta de Desaparecido,
Maria
da Graça Queiroz, a quem se fica igualmente devendo a compilação do
curiosíssimo relato que sua Tia-Avó em tempos lhe fez, acerca das
circunstâncias em que travou conhecimento com Fernando Pessoa, dos preliminares
e vicissitudes do convívio entre ambos, dos cenários
em que esse convívio decorreu, da própria maneira de ser, enfim, do
incomparável poeta com quem assim privou, e com quem, ao que se sabe, ninguém mais
teve a fortuna de assim privar. De facto, não se conhece, além deste, nem é
provável que tenha existido, qualquer outro episódio sentimental na vida de
Fernando Pessoa». In Fernando Pessoa, Cartas de Amor, Organização de David Mourão
Ferreira, preâmbulo de Maria da Graça Queiroz, Lisboa, Edições Ática, 1978.
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