Quem
vos venceu
«(…) Aveiro fechou as portas ao rei António I mas, a 10 de Setembro,
as suas tropas entraram na vila e saquearam-na. Quando chegou a Santarém a notícia
da conquista de Aveiro e da aclamação de António em várias terras da Beira e do
Norte, o povo revoltou-se e o duque de Alba teve de enviar duzentos soldados
para acalmar a vila. E em Lisboa, no dia 5 de Outubro, mais de trinta homens armados
correram as ruas gritando: Viva el-rei D. António. O Porto
mudara para Filipe em 4 de Setembro. António avançou para a cidade com os seus
10 000 homens, em boa parte armados com paus e foices, e também com alguns
portugueses que tinham chegado na armada da Índia. À aproximação do exército nacional
e perante a agitação interna do povo miúdo, a cidade mudou outra vez de campo.
Expropriaram-se os bens dos filipistas e obrigaram os mais ricos a pagar 100
000 cruzados. O bispo do Porto e o arcebispo de Braga, frei Bartolomeu dos
Mártires, refugiaram-se na Galiza e Braga aclamou António. Em Lisboa, o
duque de Alba mandou fortificar o castelo, guarneceu-o de soldados castelhanos
e de artilharia e mudou para lá a residência. Agora, dominada a cidade, era
preciso fazer jurar o rei Filipe nas cidades e vilas que, no norte e no centro,
tomavam voz por António. E tentar capturá-lo, vivo ou morto.
A 22 de Setembro, o duque de Alba
enviou para o Norte o general Sancho Ávila com 150 batedores, 3000 soldados de infantaria,
500 cavaleiros e um trem de artilharia. Uma semana depois juntaram-se-lhe mais
800 infantes. Na sua marcha, o general submeteu Loures, Torres Vedras, Aljubarrota,
Leiria. No dia 7 de Outubro entregaram-se Pombal, Soure e Montemor-o-Velho;
Coimbra no dia 8; Buarcos e Aveiro no dia 9. À notícia de que o exército de
Sancho Ávila se aproximava do Porto, António mandou alguns coronéis a fazer
gente. A mim me mandou a Barcelos e a todo o seu termo onde há grande número
de companhias... enrolei alguns 4000, indo bem poucos ao Porto pela má vontade
que tinham à guerra, e ao senhor dela, como vassalos do duque de Bragança. O
que depois me houvera de custar a vida. O Porto rendia-se no dia 22 de
Outubro. Os castelhanos saquearam o termo mas pouparam a cidade.
Onde para António? O duque de
Alba escrevia a Filipe: Há poucos dias que não seja dito publicamente: Viva
o rei António! E em Lisboa, na passagem de soldados da guarnição castelhana,
um menino gritou: Viva o rei António! Levou um tiro na cabeça. O conde de Portalegre,
Juan Silva, ex-embaixador de Filipe II em Lisboa, ferido e preso na batalha de Alcácer
Quibir e agora integrado no exército de Sancho Ávila, perguntava ao rei: que
morte reservariam ao fugitivo e aonde.
Caça ao rei D. António
Nas portas da cidade de Lisboa e
por todo o reino afixaram-se cartas do rei de Castela: qualquer pessoa que
denunciasse o paradeiro ou prendesse e matasse o prior António, receberia 20
000 cruzados e ser-lhe-ia perdoado qualquer delito; mas quem soubesse do rei
fugitivo e não o denunciasse seria castigado. Muitos aventureiros castelhanos e
muitos mais portugueses seguiam esta empresa de o prenderem. Do Porto, António
seguiu para Viana da Foz do Lima. Aí mandou tomar dois pequenos navios
estrangeiros carregados de bacalhau. Estando alguns dos seus já embarcados, avistaram
a cavalaria inimiga. Passaram-se para a outra banda de Viana. Filipe mandara
pôr guarda nos portos de mar e na fronteira terrestre. Viram o fugitivo na
serra de Aire, em Alcanede, em Alenquer, em Vila Nova de Mil Fontes, em Lisboa,
em Setúbal. Mas sendo tão grandes as promessas e tão grandes as ameaças, não
houve nenhum, de milhares que o viram e conheceram, que o malsinasse e
entregasse... Grandíssimo dom de lealdade e de honra tem Deus dado aos Portugueses.
Em Abril de 1581, no mesmo dia em que o rei Filipe entrou em Tomar, correu a
notícia de que António estava escondido na igreja do Loreto, em Lisboa. Só apanharam
o pároco. Um mancebo de Alfama, que vivia ao Chafariz dos Cavalos, fretou um
navio para lhe dar a fuga. Mas no dia em que o Prior deveria embarcar na Trafaria,
duas galés cercaram o barco. Apanharam Francisco Nunes, cavaleiro da Ordem de
Cristo, Pedro Alpoim, lente da Universidade de Coimbra, e o traidor Duarte
Castro, mas não o rei António. O Rei Prior encontrou o seu
último refúgio em Setúbal na casa de Beatriz Gonçalves, saboeira muito rica,
dona de marinhas. No princípio de Maio de 1581,
Beatriz fê-lo embarcar para França numa urca de sal. Prenderam a saboeira e
condenaram-na à morte. A defesa alegou que Beatriz Gonçalves era mãe dum filho
de António e, neste caso, podia esconder e embarcar o régio amante. Mantiveram-na
muitos anos presa». In António Borges Coelho, Os Filipes, Editorial Caminho, 2015, ISBN
978-972-212-740-0.
Cortesia de Caminho/JDACT