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Goa
«(…) Esta classe indígena
cristã perdeu tudo, porque enquanto uma porção dela se esforça por
civilizar-se, e o tem conseguido em parte, a outra, a mais numerosa,
conserva-se no nível em que a foram encontrar os portugueses, ou por falta de aptidões,
ou porque camadas superiores a esmagaram na luta. Os charadós e os sudras
formam a maior parte da população de Goa. Apartados, como estão no seu
conjunto, dos aryas ocidentais
e insuperavelmente desligados dos aryas
orientais, os brâmanes, ocupam assim um lugar pouco azado para o seu
desenvolvimento. Antes deles, estão ali o elemento branco a influir nas
sociedades, e o elemento bramânico a neutralizar-lhes as aspirações pela
autoridade quase religiosa de casta, e pela incontestável superioridade de
raça. Como existe um antagonismo mais pronunciado entre os brâmanes e os
charadós do que entre estes e
os portugueses, todo o empenho dos segundos é suplantar os seus adversários de
casa, os brâmanes, ficando, por este modo, a civilização europeia um
degrau acima das suas primeiras e naturais aspirações. É claro que a influência
numérica alcançou uma preponderância positiva na política do país. Os brâmanes
são batidos na urna e esta vitória efémera consideram-na os charadós como a última solução do
problema político-castista.
Mas a questão social, a evolução
dessas sociedades, que é feito delas? Por outro lado, os brâmanes, por
isso que são nossos irmãos, sentem-se com orgulho bastante para desprezar a
civilização que nós lhes levamos. Mas há a notar que os brâmanes cristãos
de Goa, porventura por terem abraçado a nossa religião, não são ciosos das suas
tradições, e todo o seu empenho é exceder o europeu, no que ele tem de externo,
sem contudo perder aquela relutância instintiva por tudo quanto é ocidental e o
espírito de casta, o que necessariamente lhes impede uma transformação radical
e duradoura. Ao passo que os indígenas pagãos se conservam firmes no lugar em
que os fomos achar, religiosamente conservadores e fazendo parte da grande
sociedade industânica de além dos Gattes, os cristãos de Salcete, Bardez,e
Ilhas ficaram ocupando um lugar muito inferior na acepção histórica da palavra.
Prevê-se o resultado destes elementos postos em contacto.
A acção partiu primeiro
da colónia portuguesa, como dominante. Para isso ela criou um meio que fosse
adequado à sua índole e ao seu temperamento, o militarismo. Nascidos nessa
época de heroísmo e abnegação, educados guerreiros, os portugueses não fizeram
mais do que mudar de terreno; continuam no Oriente o que foram no Ocidente, raça
de aventureiros. Mas pelo seu limitado número e com um único meio de influir, o
exército, não puderam conseguir o que outras colónias mais previdentes têm
alcançado. Arrastados pela vocação militar, dispunham apenas de um meio para influírem
em sociedades pusilânimes e por índole adversas ao regime espartano. Se à
variedade de acção se unisse a multiplicidade de meios, que tendem a relacionar
mais os factores sociais e a estreitar os seus laços, quer pela comunidade de
interesses, quer pela dependência de serviços, outro teria sido o estado desses
povos, outra a situação da colónia portuguesa. Como o militarismo era o seu
único modo de ser, e habituados como estavam os portugueses ao trato com os árabes,
tanto no reino como em outros pontos da Ásia, sofreram uma completa desilusão
ao se acharem frente-a-frente com um povo imberbe e servil. O que daí resultou
foi o constante desprezo com que eles sempre trataram os indianos, um desprezo
tão profundo e tão natural, que não havia português que não se julgasse com
coragem bastante para levar de investida uma povoação inteira.
Este sentimento, aliás
naturalíssimo mas pouco generoso, determinou a reacção da parte dos brâmanes em
1787 pela Conjuração dos Pintos.
Este movimento continuou e nós veremos de que modo. Os charadós mais generosos e guerreiros do que os brâmanes,
receberam-nos com menos relutância e, por isso, em vez de um antagonismo
formal, pelo menos histórico, entre eles e nós, voltaram-se contra os seus
antigos émulos, a quem não podiam admitir a ascendência que iam ganhando num
país em que eles se sentiam com mais direito pela sua força numérica. Esta luta
tem uma data histórica: a da fundação do Índia
Portuguesa (1861), jornal que servia de órgão aos charadós». In Frederico Diniz D’Ayalla, Goa Antiga e
Moderna, Ésquilo edições e multimédia, Revisão de Adalberto Alves, 2011, ISBN
978-989-719-001-8.
Para Ofélia e Álvaro
José, que estejam em paz!
Cortesia de
Ésquilo/JDACT