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Frustrados no seu inquérito, eles pressionaram o vigário
e o abade para convocar uma reunião extraordinária do Conselho Paroquial a fim
de discutir a divisão que ia aumentando no meio deles. Uma assistência recorde
de mais de 200 paroquianos indicava a inquietação generalizada provocada pela
presença de um corpo elitista e secreto no seio da sua comunidade. Eles
mostravam-se preocupados pelo facto de o vigário dedicar a maior parte do seu
tempo à comunidade do NC, levando o resto da paróquia a sentir-se como cidadãos
de segunda classe. O grupo de oposição mais cerrada elaborou uma lista de vinte
e cinco questões graves, reflectindo assim a convicção crescente de que, embora
o movimento aparentemente estivesse operando na paróquia com a aprovação das
autoridades eclesiásticas competentes, os métodos utilizados eram métodos de
seita. Entre as acusações mais sérias figuravam: relatos sobre utilização de
técnicas de lavagem cerebral nos membros; sessões de confissão em grupo;
grandes reivindicações feitas em favor do movimento que se auto-intitula o Caminho;
e o muro de segredo que cerca a hierarquia do movimento, as suas finanças e o
prolongado treinamento dado aos
recrutas. O encontro permitiu que estas irregularidades fossem esclarecidas em
discussões de grupos com os membros do NC, mas não foi possível obter nenhuma
resposta satisfatória. Na verdade, é improvável que os próprios membros do NC,
no plano paroquial, tivessem respostas; pois, seguindo a linha de comportamento
comum a muitas seitas, a informação é estritamente dosada de acordo com a
categoria dos membros.
Embora
os membros do NC em Ealing tivessem recusado, ou fossem incapazes de discutir
alguns pontos detalhadamente, eles tinham uma resposta-chave que valia para
tudo. Esta resposta-chave era o apoio irrestrito ao seu movimento, manifestado
nos níveis mais altos da autoridade da igreja: desde o bispo auxiliar da
diocese de Westminster, responsável pela área, que na época era Dom Mahon, até,
o que era realmente muito mais importante, o próprio papa João Paulo II. Como
prova disto, eles tinham um livro reservado em que se encontravam os inúmeros
discursos de incentivo pronunciados pelo próprio papa em favor das comunidades
do NC nas paróquias de sua própria diocese
de Roma. O tom do papa nestes discursos é absolutamente entusiástico: é assim
que vejo a génese do Neocatecumenato, a génese do Caminho: alguns espantam-se
(....) procurando saber de onde veio a força da Igreja primitiva, e de onde vem
a fraqueza da Igreja de hoje, numericamente muito maior. Penso que a resposta
está no Catecumenato, neste Caminho (...) em vossas comunidades podem realmente
ver como é do baptismo que crescem todos os frutos do Espírito Santo, todos os
carismas do Espírito Santo, todas as vocações, toda a autenticidade da vida
cristã, no casamento, no sacerdócio, nas diferentes profissões, no mundo,
finalmente no mundo.
Postos
diante da contradição entre as palavras do papa e aquilo que eles tinham vivido
por experiência própria, os paroquianos da Abadia de Ealing que se opunham ao
NC concluíram que, das duas uma: ou o papa não sabia daquilo que eles sabiam
ou, de alguma maneira, ele havia sido enganado. A hipótese de que ele sabia e
aprovava era simplesmente impensável. Pude reconhecer, declarou o papa em 1985, o grande e promissor
florescimento dos movimentos eclesiais e os assinalei como uma causa de
esperança em toda a Igreja e para toda a humanidade. O Neocatecumenato é exactamente
um destes movimentos de nome estranho que conheceu uma expansão rápida dentro
da Igreja Católica nos últimos 30 anos, guindado pelo apoio entusiasmado do papa.
Dois outros movimentos foram também especialmente favorecidos: Comunhão e
Libertação (CL) e Focolare, ambos de origem italiana. Estes são três entre as
maiores, e certamente entre as mais ricas e mais poderosas, de várias organizações
que são moral, teológica e politicamente de direita, e que reivindicam uma
obediência de mais de 30 milhões de católicos espalhados pelo mundo, muitos dos
quais receberam o impulso mais forte na década de 1980 com o apoio irrestrito
do papa João Paulo. De modo um tanto alarmante, eles parecem prestes a
ultrapassar a ala moderada da Igreja Católica no que se refere ao número de
adesões; no que se refere ao poder de que desfrutam dentro da Santa Sé, eles já
o conseguiram há muito tempo.
Embora todos eles tenham começado no sul da
Europa e ainda tenham as suas bases administrativas na Itália, os movimentos
são actualmente uma força de influência mundial. O Focolare foi criado na
cidade de Trento, no norte da Itália, em 1943, no auge dos bombardeamentos
aliados, por uma professora de ensino primário, Chiara Lubich, que tinha então
25 anos. Actualmente, este movimento existe em 1.500 dioceses espalhadas por
190 países e conta com vários milhões de seguidores, dispondo ainda de um
núcleo de cerca de 80 mil membros a ele intimamente ligados por votos,
promessas ou outras formas de obediência. O toque de clarim do movimento
convocando todos para o amor universal e para a unidade de toda a humanidade é
baseado numa hierarquia rígida, centralizada em torno da fundadora, que já chegou
aos 80 anos. O culto da personalidade de que ela é objecto exprime-se na
obediência rigorosa e cega que ela exige dos membros, muito embora ela tenha
passado quase dois anos (1992 a 1994) afastada, na Suíça, vítima de uma doença
misteriosa. Inútil lembrar os boatos que se espalharam então pelo mundo inteiro
semeando suspeitas sobre sua morte. Em 1995 ela voltou à vida pública». In Gordon Urquhart, A
Armada do Papa, tradução de Irineu Guimarães, Editora Record, 2002, ISBN
978-850-106-222-2.
Cortesia de ERecord/JDACT