Do
Tempo das Pirâmides ao Tempo das Catedrais. Viagens
ou Comunhão de Espírito?
«(…)
O Egipto, Centro
do Mundo
O drama atroz que foi o incêndio
da muito celebrada biblioteca de Alexandria privou-nos de testemunhos escritos
inegavelmente importantes sobre a efervescência espiritual desta época. Apesar disso,
não há dúvida que a antiguidade greco-romana tinha o maior dos respeitos pela
tradição egípcia e considerava o país dos faraós a terra da Sabedoria por
excelência. Muitas das coisas vindas do Egipto, diz Momus, são enigmas; quem
nelas não for iniciado, delas não se deve rir. Plutarco, iniciado nos mistérios
egípcios põe-nos igualmente de sobreaviso: se estas coisas forem tomadas à
letra, sem cuidar de se procurar o seu sentido mais nobre, é preciso que se
cuspa de imediato e que se lave bem a boca. Os gregos revestiram os deuses
egípcios de denominações helénicas e integraram-nos na sua mitologia; os
romanos tomaram para si esta aparelhagem, simbólica que nunca compreenderam grandemente.
Quando se desenvolveu no Ocidente, o cristianismo seguiu a mesma via,
preservando assim os originais egípcios sob os véus sucessivos trazidos pelo
tempo.
Ramsés II e São
Pedro
Certos grupos religiosos
estabelecidos no Egipto recusaram adoptar a nova forma religiosa do
cristianismo, pretendendo preservar o que se convencionou chamar paganismo. Não
conseguiram escapar à dissolução, mas não sem antes os seus ensinamentos serem estudados
e retomados, pelo menos em parte, pela igreja oficial. O pensamento egípcio e o
pensamento cristão estiveram em contacto sobre o próprio solo egípcio; podemos
mesmo dizer que um aspecto essencial do cristianismo nasceu no Egipto, em
contacto, portanto, com a antiga civilização, que não tinha ainda
desaparecido por completo. Não esqueçamos que no Egipto, como na Europa, muitas
igrejas não eram mais que templos que tinham mudado de nome. Em muitos casos,
os novos cristãos celebravam o seu culto no mesmo local onde os pagãos tinham
celebrado os seus. Na terra dos faraós, egípcios de linhagem pura tornaram-se
cristãos. Embora tenham modificado a sua mentalidade religiosa, não
abandonaram, porém, a cultura ancestral de que descendiam.
Para situarmos, através de um
caso excepcional, as relações entre o Egipto e o cristianismo, evoquemos uma
cena do templo núbio de Ouadi es Sebouâ. Quando os cristãos tomaram o
local, encontraram as cenas clássicas da iconografia sagrada dos egípcios, que
compreendia, nomeadamente, o diálogo do faraó com os deuses. Fizeram
desaparecer tudo isso sob pinturas de acordo com a sua fé. Mas, com o passar do
tempo, uma parte da ocra acabaria por desaparecer. Aquilo com que o espectador
ficou diante dos olhos foi uma cena inacreditável, que tem para nós, apesar de
resultar do acaso, um significado simbólico: o faraó Ramsés II, ressurgindo à luz,
oferece o ramalhete ritual a São Pedro!
O Gnosticismo Egípcio
Na
sua origem, o cristianismo não é um bloco religioso homogéneo. Não é ainda
rígido na formulação da sua fé e conta numerosas tendências no seu seio. No
centro do cristianismo primitivo situa-se a Gnose, isto é, o Conhecimento ou,
mais exactamente, o desejo de Conhecimento. Ora a Gnose é um movimento
egípcio, com as suas múltiplas ramificações, os seus numerosos textos sagrados,
as suas diversas percepções da divindade, que não querem ser reduzidas a uma
só, a um credo, para evitar o dogmatismo». In Christian Jacq, Le Message des
Constructeurs de Cathédrales, Éditions du Rocher, 1980, A Mensagens dos
Construtores de Catedrais, Instituto Piaget, Romance e Memória, Lisboa, 1999,
ISBN 972-771-129-4.
Cortesia
de IPiaget/JDACT