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Primeira Cruz. Dezembro de 1107
«(…)
Entrando na casa, seguiu por um corredor escuro percorrido por uma corrente de ar
gelada, escalou uma escada, como um gato, e dirigiu-se para a porta do escritório
de Arcis Brienne, sob a qual passava uma réstia de luz; tirou o machado da
cintura, segurou-o firmemente com a mão direita e, devagar, bem devagar,
empurrou a porta com a mão esquerda. Ele observou o escritor sentado de costas,
debruçado sobre a escrivaninha, a cabeça calva brilhando à luz da lamparina a óleo.
Por um instante, ele permaneceu imóvel, abarcando a cena no seu conjunto e
verificando cada detalhe... Arcis Brienne, sem dúvida, ouviu estalar uma tábua
do soalho e virou-se, pensando que era a mulher que vinha ao seu encontro;
abriu bem os olhos para vê-la, pois tinha de se habituar à penumbra da sala. Hélène?
No entanto, aquele vulto grande não era Hélène. Na verdade, ele não viu que o visitante
que avançava com dois passos na sua direcção estava segurando um machado.
Compreendeu tarde demais. Num
instante suspenso a arma erguia-se acima dele e era agarrado pela garganta com
um aperto implacável. Numa fracção de eternidade... A lâmina iluminada rasgou o
espaço. Arcis Brienne sufocou, olhou o gume do machado, ouviu o próprio grito
de animal desesperado. O berro preencheu a casa e chegou até Hélène Brienne,
que estava dormindo. A mulher ergueu-se na cama, tentando voltar à realidade,
ainda embaçada por um sonho interrompido. Arcis!
O grito do marido cessou
bruscamente. Hélène procurou o lampião e o acendedor em cima da arca ao lado da
cama, em seguida, iluminou o quarto e dirigiu-se para a porta. Outro grito,
mais fraco. Parecido com um estertor, com um gemido de moribundo. Hélène sentiu
medo. Deu alguns passos no corredor, segurando o lampião à sua frente, que mal
iluminava. Os pés descalços no lajeado fizeram-na tremer. Precisava chegar ao
andar de cima, ao escritório de Arcis. Subir os degraus de madeira com farpas
aguçadas. Arcis... Frio. Uma violenta corrente de ar. Uma janela foi aberta!
Subir... Galgar a escada com uma bola de angústia alojada no peito, um nó no
estômago, as pernas pesadas. O patamar. A porta do escritório de Arcis estava
escancarada. Hélène aproximou-se, evitando acelerar o passo. Uma luz
bruxuleante desenhava um retângulo pálido no piso do corredor. Ela entrou no
escritório, esticando o pescoço para a frente, atenta, inquieta. Arcis, meu
querido! O marido tinha sido lançado para fora da cadeira e jazia no chão num
mar de sangue, entre manuscritos e rolos dispersos, pisoteados, rasgados. Ela
avançou, sem se preocupar com os documentos espalhados, pisando-os, totalmente
focada no corpo estendido de Arcis. No sangue que se espalhava como uma corola
em volta dele. Ele estava com os olhos abertos, mas não a via. Nunca mais a
veria. Estava morto, com uma expressão de terror que lhe deformava o rosto. Com
o próprio sangue, haviam sido traçados na sua testa um número e uma cruz: 1 +
Em seguida, Hélène descobriu que
o punho direito de Arcis havia sido cortado. A mão que usava o largo anel com a
pedra vermelha havia desaparecido. Invadida pela repugnância, a mulher não pôde
conter a bile amarga e vomitou, sacudida por espasmos. Sufocada e aterrorizada,
pensou que o assassino ainda podia estar na casa e temeu pela própria vida. Em
pânico, esquadrinhou a sombra da sala e não detectou nenhuma presença. Um pouco
mais calma, saiu do escritório com o lampião que abria um caminho circular
reduzido à sua frente. Toda a casa se tornara uma ameaça. Precisava descer para
o primeiro andar, seguir pelo corredor e pela segunda escada que levava para
fora. Será que o assassino a estaria esperando em algum canto daquela casa
enorme? Quem era o assassino? Por que havia atacado o marido e lhe arrancado a mão
direita?
Em lágrimas, Hélène desceu a
escada. Sentia dificuldade para respirar, trevas de areia na sua garganta. Cada
degrau representava um esforço, uma dor inaudita... A noite furava as paredes
de cal e se movimentava em fiapos macabros que acompanhavam a descida da
mulher. Chegando ao primeiro andar, apesar da angústia que lhe esmagava o coração,
ela aventurou-se pelo corredor. Avançou com cautela, o mais silenciosamente
possível. Dizia a si mesma que, quando chegasse ao canto do corredor, começaria
a gritar para pedir socorro aos vizinhos. Faltava apenas descer um lanço de
degraus para sair para a rua. Porém, de repente, uma porta abriu-se
violentamente e lhe bateu no ombro, projectando-a para trás e fazendo com que
perdesse o equilíbrio... Com a ampla capa abocanhando alguns rápidos clarões da
lamparina, um vulto negro saltou na frente de Hélène: uma forma espectral
brandindo um machado ensanguentado na mão direita e o coto de Arcis na
esquerda. Um brilho fugidio se iluminou no largo anel do membro amputado. Hélène
evitou o golpe do machado. A lâmina feriu a parede bem em cima da sua cabeça,
fazendo uma larga fissura no gesso. O assassino preparou-se para atacar uma segunda
vez, mas a mulher, bem mais jovem que o marido, esgueirou-se rapidamente pelo corredor,
lançou-se na escada e desceu os degraus pedindo ajuda. O assassino foi atrás
dela, atingindo tudo em volta, destruindo o corrimão, quebrando os tijolos da
parede, arquejando como um carniceiro». In Didier Convard, O Triângulo Secreto, Os
Cinco Templários de Jesus, 2006, Editora Bertrand Brasil, 2013, ISBN
978-852-861-663-7.
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